sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Orgulho da dupla RE x pa



Clube do Remo ou Paysandu Sport Club? Quem tem a maior e mais apaixonada torcida do Pará? A frieza dos números do Ibope, naquela que é considerada a pesquisa mais abrangente já feita em termos de clubes de futebol no Brasil, revelou, há cinco anos, que o Clube do Remo leva a melhor: com aproximadamente 1,3 milhão de integrantes. Isso quer dizer que 20%, ou um em cada cinco torcedores do Estado do Pará, veste azul-marinho, descontando aqueles que não torcem por qualquer time ou torcem para outras equipes locais, além de Remo e Paysandu. Entretanto, na ponta da caneta, segundo os remistas, a porcentagem passa dos 60%.

Como no futebol não existe previsão infalível – a exemplo do Fluminense, que acaba de escapar do rebaixamento para a série B, após ter 98% de chances matemáticas de cair – do outro lado do campo os alvi-azuis, torcedores do Paysandu, discordam do placar e se dizem a maior torcida, agregando mais que a metade da população do Estado. Empatado o jogo, no tempo normal e na prorrogação, quem ganha a taça na loteria dos pênaltis?

O Paysandu começa a série de tiros livres: quando querem tripudiar sobre os azulinos, os bicolores voltam no tempo e falam nos “sete a zero”. Isso mesmo: em 22/07/1945 o Paysandu aplicou 7 x 0 no maior rival, no campeonato paraense daquele ano. O placar nunca mais se repetiu, para qualquer dos lados.
Muita bola rolou nas cinco décadas seguintes, outras goleadas foram registradas mas somente nos anos 90 o Remo deu uma espécie de troco ao adversário, empatando a decisão por penalidades: entre 31/01/2003 e 07/06/1997 o time azulino não perdeu uma única partida para o rival. Foram 33 jogos de vítórias e empates e, a cada final de partida nesse período, a torcida azulina cantava das arquibancadas: “um, dois, três, quatro, cinco...” até o jogo correspondente ao tabu no momento. E o tormento do Paysandu não terminou aí; na década de 90, o Remo levou oito campeonatos paraenses, enquanto os bicolores ficaram com os dois restantes, em 1992 e 1998.

Um a um nos penâltis e a provocação continua dos dois lados. Quem é o único clube paraense campeão em um torneio internacional? Clube do Remo, em Paramaribo (Suriname), em 1999. E quem é, por estas bandas, o primeiro e último Campeão dos Campeões e único time de toda a região Norte a disputar uma Taça Libertadores da América, o torneio mais importante do continente? Paysandu Sport Club, em 2002 e 2003.

O Paysandu já chegou a levar mais torcedores ao estádio do que o Corinthians. Na série A, em 2002, mesmo tendo terminado o torneio em 20° lugar na tabela, o “Papão” teve média de 23.242, superando o alvi-negro do Parque São Jorge em 432 pagantes por jogo. E daí? Retrucam os remistas, quando lembram a série C de 2005.

Naquela temporada, em que o Remo conquistou seu primeiro título nacional, houve jogos em que 40 mil torcedores prestigiaram o time em Belém, o chamado “Fenômeno Azul”. “É inacreditável. Isso aqui nem parece a Terceira Divisão. Parece público de Copa do Mundo”, disse, deslumbrado, o então treinador do Grêmio Coariense (AM), Luiz Carlos Winck que, como jogador, se acostumou ao calor das torcidas do Internacional, Vasco, Flamengo e seleção brasileira, ao olhar as arquibancadas do Mangueirão abarrotadas de remistas.

Sangue e religião com as cores do time

São 79 anos de vida e pelo menos sete décadas de sangue bicolor lhe correndo nas veias. Esse é o curriculo do empresário Gabriel de Souza Castro, conhecido por muitos como Gabriel Paysandu e sócio benemérito do clube. Até a casa onde Gabriel mora, em Belém, é alvi-azul; o escudo alvi-azul está pintado, em destaque, no ponto mais alto da residência. De 1945 para cá ele só não assistiu o Re x Pa (Remo x Paysandu) quando esteve doente. E garante que, por amor, já fez muitas loucuras pelo time de coração.

Uma delas foi em 1956 quando, em um Re x Pa no Baenão, seu “Papão” marcou um gol e ele, na auge da comemoração, soltou um rojão. Ao invés de subir, o artefato desceu e o machucou. Levado ao hospital e, ainda meio atordoado, descobriu que estava perdendo o jogo. Voltou correndo ao campo e ainda viu o final da partida em que seu time venceu. Três anos depois, foi ao estádio Francisco Vasques assistir o Paysandu jogar contra o extinto Belemense, que saiu na frente no placar.

Irritado, Gabriel foi espairecer na geral do campo e lá encontrou um grupo de remistas que começaram a provocá-lo. Revidou e foi ameaçado. “Por acaso, nesse dia eu estava com um revólver no bolso (sendo que nunca andei armado na vida). Saquei a arma e, para me defender, dei um tiro para cima. A turma disparou na carreira. Mas foi tudo brincadeira, não teve qualquer maldade com os companheiros”, diverte-se o empresário.

Falando em provocação, Gabriel garante que desde 1995 não mais vai ao campo torcer contra o Remo, por temer a violência de alguns torcedores mais exaltados. “Antigamente a nossa brincadeira era sadia. A gente ia, torcia contra o adversário e os nossos amigos remistas levavam tudo na esportiva. Hoje é perigoso torcer contra, você corre risco de ser agredido ou até perder a vida”, acrescenta o empresário.

Do outro lado da Almirante Barooso, e com algumas décadas a menos de arquibancada, mas – ela garante – com a quilometragem equivalente em amor pelo Clube do Remo, a jornalista Camila Parente fala o idioma azul-marinho. Com apenas 24 anos de idade, não foram poucas as vezes em que Camila bateu boca com amigos por causa do “Leão”. Foi, ao lado do pai, a todos os jogos em que o time venceu a série C, em 2005, e acompanhou o Círio de Nazaré, naquele mesmo ano, ao lado da família, sendo que todos vestiam a camisa do Remo, com a imagem de Nossa Senhora de Nazaré e os dizeres: “As duas paixões dos paraenses”.

Para ela, ser remista é uma religião transmitida de pai para filho. “Meu pai sempre quis ter filhos homens e ai Deus lhe mandou duas meninas. Então, desde pequena, eu e minha irmã mais velha íamos aos jogos do Remo com o nosso pai. Lembro que minha mãe nos arrumava com a camisa do Leão. Eu era muito pequena e ía para o estádio só para tomar picolé. Mas, com o tempo, fui adquirindo a paixão e o amor pelo Clube. Tanto que, quando cresci, eu acompanhava o meu pai nos jogos e os amigos dele sempre acharam isso o máximo. Ser remista é ser feliz”, diz a jornalista.

Camila confessa estar um pouco afastada dos campos, por causa de um problema de saúde do pai, o grande companheiro das jornadas fustebolísticas. “Mas no ano que vem pretendo voltar a frequentar o estádio e torcer muito pelo meu Leão”, acrescenta emocionada a azulina.

Por que se orgulhar?

Paysandu e Clube do Remo, que travam o “Clássico Rei da Amazônia”, orgulham o Pará por ter torcidas fiéis e literalmente fanáticas. A imagem do Mangueirão lotado, e dividido entre azulinos e bicolores, é emblemática e admirada em todo o Brasil. Por causa desse fanatismo, não são poucos os jogadores que chegam de todos os lugares do País para se submeter a testes nos dois times. E é praticamente impossível sair às ruas de Belém ou interior do Estado, no dia seguinte a um jogo entre as duas equipes, sem ouvir ao menos uma anedota trocada entre torcedores, seja nos ônibus, nas ruas, em agências bancárias ou qualquer outro espaço público e mesmo dentro de casa.

Diário do Pará