quarta-feira, 22 de junho de 2011

Lá como cá!

Nos dias 14 e 15 deste mês tive a oportunidade de participar do Seminário Internacional Cachuela Esperanza na Bacia Internacional do Rio Madeira, realizado em Cochabamba (Bolívia). Cachuela Esperanza é uma localidade pertencente ao Departamento de Beni, encravada na Amazônia boliviana, que foi muito próspera durante o período da extração do caucho (borracha), mas que hoje encontra-se estagnada economicamente. Lá residem um pouco mais de 1.300 pessoas que vivem da pesca e do extrativismo. É um lugar lindo, com grande potencial para o turismo ecológico e de aventura. Contudo, não recebe os investimentos necessários para desenvolver essa atividade. A energia elétrica que abastece a localidade é proveniente de um motor a diesel: caro, poluente e que não atende adequadamente a demanda da comunidade. Essa é a situação de várias cidades bolivianas localizadas na parte oriental do país, na sua porção amazônica, como Cobija e outras.


O governo boliviano afirma que a única forma de atender as cidades e comunidades dessa parcela do país com energia elétrica é através da construção de uma hidrelétrica justamente em Cachuela Esperanza, aproveitando a grande velocidade do rio Beni. Os estudos, que ainda não foram concluídos, apontam que 690 quilômetros quadrados do território serão inundados, afetando, dessa forma, milhares de pessoas que vivem próximas ao rio Beni e afluentes.

Na realidade a hidrelétrica de Cachuela Esperanza é parte constitutiva do denominado Complexo Rio Madeira, que incorpora ainda as usinas Santo Antonio e Jirau, em Rondônia, que já estão sendo construídas, além de Guajará-Mirim, prevista para ser erguida na fronteira entre Brasil e Bolívia. Os objetivos perseguidos pelo governo brasileiro com a construção desse conjunto de hidrelétricas no Brasil e na Bolívia é: a) produzir energia para atender a demanda dos centros econômicos mais dinâmicos do Brasil, como São Paulo e Rio de Janeiro; b) proporcionar a instalação de grandes empresas na porção ocidental da Amazônia brasileira, fundamentalmente aquelas com grande inserção no mercado internacional, como as do agronegócio (pecuária, soja, celulose e outras), madeireiras e mínero-siderúrgica; c) transformar mais de 4.000 quilômetros de rios do Brasil, Peru e Bolívia em hidrovias, a fim de garantir o acesso, uso e controle dos recursos naturais estratégicos da nossa região por parte de grandes grupos econômicos nacionais e estrangeiros.

Essas hidrelétricas associadas a um conjunto de outras grandes obras previstas pela Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) e pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na Pan-Amazônia - rodovias, portos, aeroportos, ferrovias, gasodutos etc. - permitirão às grandes empresas brasileiras ou as multinacionais aqui sediadas terem acesso aos mercados dos países vizinhos, seus recursos naturais e aos seus portos no Pacífico, como no caso do Peru.

A construção de Cachuela Esperanza custará (pelo menos é o previsto) cerca de US$ 2,5 bilhões. A Bolívia não tem esse recurso. Então, o mais provável é que ela recorra a empréstimos externos para erguer essa hidrelétrica. Como o governo brasileiro e grandes empresas do país têm muito interesse nessa obra, certamente o BNDES irá oferecer a quantia necessária a Bolívia, exigindo, evidentemente que as empreiteiras brasileiras participem do consórcio que construirá a usina, ou que a Bolívia contrate os serviços de consultoria ou compre máquinas e equipamentos no Brasil.

Cachuela Esperanza não é necessária para a Bolívia. Estudos demonstram que a demanda da porção amazônica daquele país por energia nos próximos quarenta anos será de 100 megawats. Atualmente o consumo das três maiores cidades do norte amazônico boliviano (Riberalta, Cobija e Guayaramerin é de 20 megawats). Porém, a hidrelétrica projetada para o rio Beni produzirá cerca de 1.100 megawats. Levar essa energia para outros pontos da Bolívia é economicamente inviável por conta dos altos custos das linhas de transmissão. Por que então construir uma hidrelétrica com essa capacidade de produção? Simplesmente para atender o mercado brasileiro. Ou seja, a Bolívia irá aumentar sua dívida externa para produzir energia barata ao Brasil - já que o nosso país será seu único mercado consumidor e, dessa forma, poderá impor o preço a pagar -, ficará com os graves problemas socioambientais (extensa faixa de floresta alagada, inchaço populacional nas periferias urbanas etc.), enquanto que ao Brasil restarão os benefícios de obter energia a preço baixo e de tornar a Bolívia ainda mais dependente política e economicamente.

O governo Evo Morales e seus aliados têm atacado duramente os que se opõem à construção de Cachuela Esperanza. Recentemente acusaram os/as integrantes do Fórum Boliviano de Meio Ambiente e Desenvolvimento (FOBOMADE) de estarem a serviço da USAID (agência de cooperação estadunidense que apoiou as ditaduras militares na América Latina) e, portanto, contra "os interesses nacionais". Também têm realizado ampla campanha para angariar apoio da população ao projeto da hidrelétrica.

O povo boliviano não se beneficiará com a construção de Cachuela Esperanza. Boa parte das cidades e comunidades isoladas da Amazônia boliviana continuará sendo abastecida por termoelétricas a diesel mesmo que a usina seja erguida. Contudo, esse território rico em recursos naturais estará definitivamente aberto às empresas multinacionais, em particular às brasileiras. Eu pergunto a você: aceitaremos isso passivamente?

3 comentários:

  1. Incrível como só fico mais revoltado a cada post teu...

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  2. E pq essas cidades bolivianas nao poderao se desenvolverem já q estarao com energia muito mais barata disponivel do que atualmente possuem? Como vc disse, a região vive de pesca, e poderia passar a produzir o pescado em grande quantidade com atracao dos frigorificos para venda e, como é na amazonia, tb deve ser uma regiao rica em minérios que demandarao de energia para exploracao. Mas, claro, se o projeto nao fosse útil ao Brasil, não tinha porque termos interesse nele, tb!

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