segunda-feira, 30 de julho de 2012

Equilíbrio?

É muito comum ouvirmos conselhos acerca da importância de encontrarmos nossos pontos de equilíbrio. Médicos, amigos e familiares sempre nos dizem isso quando passamos por momentos de aflição, doenças ou dificuldades. "Mente sã, corpo são", diz o enunciado bastante conhecido do público. Contudo, você já parou pra pensar no significado do que vem a ser realmente "equilíbrio"?

Ilya Prigogine
Pois bem, um corpo em estado de equilíbrio é um corpo sem vida, pois a morte é, na verdade, o momento em que atingimos plenamente o estado de equilíbrio. A vida existe, em essência, por conta do desequilíbrio. Células morrem e outras nascem todos os dias até o momento em que o número daquelas que perecem é superior ao daquelas que surgem. Órgãos funcionam plenamente porque há desequilíbrio entre eles e não o contrário. Se pensarmos do ponto de vista da física, a entropia máxima - grosso modo, podemos dizer que entropia significa "estado de desordem" de um sistema termodinâmico - é justamente o ponto culminante do equilíbrio, onde a "desordem" já não existe. Por conseguinte, ela representa a impossibilidade do surgimento da novidade.

Segundo o filósofo Bernard Piettre, a "instabilidade e o desequilíbrio são, em compensação, a condição do surgimento de uma ordem” (PIETTRE, Bernard. Filosofia e ciência do tempo/Bernard Piettre; tradução: Maria Antonia Pires de Carvalho Figueiredo. – Bauru, SP: EDUSC, 1997, p. 150-151). Diferentemente do que imagina o senso comum o caos não produz tão somente desordem, mas também um novo tipo de ordem. Exemplo: o nosso universo. Eis o que nos diz o químico Ilya Prigogine:
Um título como As leis do caos pode parecer paradoxal. Existem leis do caos? O caos não é, por definição, “imprevisível”? Veremos que não é assim, mas a noção de caos nos obriga, em vez disso, a reconsiderar a de “lei da natureza”. Na perspectiva clássica, uma lei da natureza estava associada a uma descrição determinista e reversível no tempo, em que o futuro e o passado desempenhavam o mesmo papel. A introdução do caos obriga-nos a generalizar a noção de lei da natureza e nela introduzir os conceitos de probabilidade e de irreversibilidade. (...) mas o que gostaria de ressaltar nesse contexto é o papel fundamental do caos em todos os níveis de descrição da natureza, quer microscópico, quer macroscópico, quer cosmológico (PRIGOGINE, Ilya. As leis do caos. Tradução Roberto Leal Ferreira. – São Paulo: Editora UNESP, 2002.2002, p. 11).
Tendemos a imaginar que a nossa própria evolução enquanto espécie se deu de uma forma tão harmônica, que o que somos hoje parecia estar determinado desde priscas eras. Ledo engano: somos fruto da desordem, do desequilíbrio, de probabilidades que se concretizaram, do acaso. Entretanto, conhecemos muito bem o desenho que mostra a nossa evolução desde um certo tipo de primata até a constituição atual. Não parece algo bem natural?

Evolução da nossa espécie

Resgatar a noção de probabilidade, acaso, desequilíbrio/equilíbrio é importante até mesmo para refletirmos sobre o nosso presente e as perspectivas futuras. Aliás, faz-se necessário incorporar também outra noção: a bifurcação. Na história, são justamente nos momentos de bifurcação que se colocam na mesa as múltiplas possibilidades. A história, afirmou o marxista francês Bensaïd, “já não segue doravante o traçado único que lhe daria sentido. Ele explode em galhos e ramos sempre recomeçados. Cada ponto de bifurcação crítico coloca suas próprias questões e exige suas próprias respostas” (BENSAÏD, Daniel. Marx, o Intempestivo: grandezas e misérias de uma aventura crítica. (séculos XIX e XX)/Daniel Bensaïd; tradução de Luiz Cavalcanti de Menezes Guerra. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1999, p. 60-61). Tal reflexão nos leva a questionar a ideia de que o capitalismo se constitui no estágio supremo da humanidade, ou que não há outra alternativa para o desenvolvimento da Amazônia a não ser entupi-la de hidrelétricas, expandir a monocultura da soja ou do eucalipto, ou ainda que o mercado de carbono (a mercantilização da natureza) seja o caminho para mantermos a floresta em pé. Não! A história é um livro em aberto e ela ainda está sendo escrita.

Então, amigas e amigos admiradores(as) do Lasanha: quando alguém chamar de você de desequilibrado(a), pode não ser de todo ruim. Ao menos mostra que você está vivo(a). Abraços.


sexta-feira, 27 de julho de 2012

Motivos para apoiar Edmilson Rodrigues: Parte I.

Ao longo do tempo o PT buscou tirar algumas lições das suas diversas experiências administrativas espalhadas pelo país. Tal conhecimento ficou conhecido como o Modo Petista de Governar. Os dois eixos indicados como os principais diferenciadores das administrações petistas em relação às demais eram a participação popular e a inversão de prioridades.

Modo Petista de Governar
A participação popular se mostrou importante para a democratização do Estado e o controle social não somente sobre as políticas governamentais, mas também no que diz respeito à atuação da iniciativa privada e seus efeitos sobre a sociedade. O PT incentivou a constituição de conselhos a fim de favorecer a gestão compartilhada, bem como de instrumentos democráticos como o Orçamento Participativo. Além disso, o PT estimulou a mobilização social e a democratização da informação.

A inversão de prioridades representou um novo olhar sobre o público e o bem público. Parcelas da população historicamente excluídas do acesso a equipamentos públicos e das políticas governamentais passaram ao centro das preocupações das gestões petistas. O OP foi, sem dúvida alguma, uma importante ferramenta de distribuição mais equitativa dos recursos orçamentários que, aliado a diferentes programas e projetos de inclusão social, possibilitou a melhoria das condições de vida de grandes contingentes populacionais.
Participação Popular


Entretanto, com o passar do tempo, esses dois eixos já não eram suficientes para distinguir as administrações petistas de outras de caráter liberal ou mesmo conservador. Isto porque a direita percebeu que esse Modo Petista de Governar não somente melhorava a vida da população, como também tornava o partido uma grande "máquina eleitoral" ao desmontar seus redutos históricos e escantear suas lideranças da vida pública. Esse fato foi particularmente notável no Nordeste brasileiro, mas também na Amazônia. O que fez a direita? Também passou, a seu modo, a executar ações de "inversão de prioridades" calcadas, evidentemente, no assistencialismo, e de "participação da sociedade", ainda que fortemente controlada. Essa situação exigiu do PT um passo ainda mais ousado. Daí surgiu o terceiro eixo: a disputa pela hegemonia. Ou seja, não bastava distribuir melhor os recursos e/ou chamar a população para o debate político. Era necessário ainda constituir uma força contra-hegemônica visando mudanças estruturais na sociedade a longo prazo, e em grande parte isso deveria passar necessariamente pelo aprofundamento da democracia:
De modo geral, podemos dizer que o processo de democratização expresso na "ampliação" da esfera pública gerou, ao mesmo tempo, um problema a ser resolvido e os meios de sua solução. O problema consiste em superar a contradição existente entre, por um lado, a socialização da participação política e, por outro, a apropriação não social dos mecanismos de governo da sociedade. Nessa medida, a plena realização socialista do homem não requer apenas a supressão da apropriação privada dos meios de produção, que são frutos do trabalho coletivo: requer também a eliminação da apropriação não social (privatista) das alavancas de poder, ou seja, a realização do que Marx chamou de "autogoverno dos produtores associados". Superar a alienação econômica é condição necessária, mas não suficiente, para a realização integral das potencialidades abertas pela crescente socialização do homem; essa realização implica também o fim da alienação política, o que, no limite, torna-se realidade mediante a reabsorção dos aparelhos estatais pela sociedade que os produziu e da qual eles se alienaram (é esse, de resto, o sentido da tese marxiana do "fim do Estado"). COUTINHO, Carlos Nelson. Contra a Corrente: Ensaios sobre democracia e socialismo. - São Paulo : Cortez, 2000, p. 29 (grifo nosso).

Edmilson Rodrigues
Creio que a experiência que vivenciamos em Belém com o Congresso da Cidade se alimentou fortemente desse desejo de realizar a disputa pela hegemonia com os segmentos conservadores da sociedade. O Congresso, apesar de alguns bons estudos desenvolvidos por pesquisadores(as) da UFPA, ainda não foi suficientemente analisado e, portanto, tiradas as lições devidas. Da minha parte, considero aquela experiência ainda mais avançada do que o OP de Porto Alegre, pois conseguiu efetivamente atrair múltiplos olhares e vivências para a construção de uma nova cidade: homossexuais, idosos(as), jovens, negros(as), portadores(as) de necessidades especiais, moradores(as) da periferia, servidores(as) públicos(as), afrodescendentes, ONGs, movimentos sociais, enfim, uma gama enorme de atores sociais envolveram-se de corpo e alma nas reflexões e nas decisões de interesse público. Tudo passou a ser do nosso interesse. Lembro das mobilizações que realizamos contrárias ao desmonte do porto de Belém, que o governo do PSDB queria impor. Também me vem à lembrança as ações de denúncia e de combate à manipulação dos índices que serviam para o cálculo do repasse dos recursos oriundos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Servições (ICMS); manobra dos tucanos para asfixiar o governo do Edmilson Rodrigues.

Combatendo a exclusão e a desigualdade sociais
Com o Congresso da Cidade passamos a ter uma visão mais abrangente e mesmo mais generosa sobre Belém e seu futuro. Logicamente que uma quantidade enorme de pessoas contribuíram para a realização dessa fabulosa experiência. Algumas bastante conhecidas, a maioria anônima. Todavia, não há como negar o papel decisivo desempenhado pelo então prefeito Edmilson Rodrigues. Ele não somente estimulou como foi o mais enfático defensor da iniciativa. E isto não é pouco, pois não são muitas as pessoas que decidem partilhar o poder com outros.

Por outro lado, Edmilson Rodrigues sempre teve muito claro os limites impostos pela institucionalidade burguesa. Daí a sua contínua vontade de romper com essas amarras, a fim de garantir a efetiva participação da sociedade. É alguém que mesmo tendo plena consciência das suas atribuições legais teima em não sujeitar-se a elas, como um fantoche. É alguém que ainda sonha, luta e vive por uma outra sociedade, que não se rendeu ao desenvolvimentismo econômico como a única utopia.

sábado, 21 de julho de 2012

Incompetência, lixo e desleixo.

Participei hoje pela manhã de uma caminhada com alunas do curso de Pedagogia da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Essas estudantes já encontram-se dando aulas para alunos(as) da primeira a quarta séries, incluindo Geografia e História. Foi um "tour" pela Estação das Docas, Ver o Peso e Feliz Lusitânia. O evento objetivou mostrar a essas alunas as mudanças ocorridas na cidade desde a sua fundação, abordar fatos históricos marcantes ocorridos naque área, as alterações nas funções dos prédios e outros espaços ao logo do tempo e sobre as formas de abordar a geografia com alunos(as) das séries iniciais. A ideia da caminhada foi da Regina Ferreira que está ministrando a disciplina Geografia da Amazônia naquela universidade.


Nosso maravilhoso Ver-o-Peso
Fui convidado para participar da atividade por ser historiador. Uma das coisas que sempre chamou minha atenção diz respeito ao desconhecimento da nossa história por grande parte de nós belenenses. Dos conflitos envolvendo cabanos e forças legalistas que resultou na morte de Antonio Vinagre, ocorrida na esquina das atuais Frutuoso Guimarães com a João Alfredo. Das tentativas de Diogo Antonio Feijó de convencer os ingleses a invadir a Amazônia para destruir a revolta popular cabana. Das estruturas de metal oriundas da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos no Mercado do Ver-o-Peso e nos galpões da Estação das Docas. As pressões de moradores locais sobre famílias de imigrantes japoneses e alemães durante a Segunda Guerra Mundial - não esqueço de uma foto sensacional retratando isso e que foi publicada pelo jornal Folha do Norte. Bem, os exemplos são abundantes.

Revolucionários(as) Cabanos(as)
Recordo que somente fui estudar a Cabanagem quando entrei na UFPA, pois a ditadura militar simplesmente baniu o movimento cabano dos currículos escolares. Daí a importância do resgate dessa história com a Aldeia Cabana e outras iniciativas. Todavia, as forças conservadoras buscam ainda hoje manter sepultada a Cabanagem. Tanto é que a atual administração municipal se refere ao equipamento público da Av. Pedro Miranda como Aldeia Amazônica em vez de Aldeia Cabana.

Sempre fico empolgado quando foco a nossa história. Não obstante, esse post foi escrito para expressar a minha revolta com o estado atual do Complexo Ver-o-Peso, em particular da Feira do Açaí. Senti tanta saudade de como era aquela feira durante o governo do Edmilson Rodrigues, então no PT. Além de local de trabalho de centenas de pessoas envolvidas direta ou indiretamente com a produção e a comercialização do açaí, era também ponto de encontros, de boas conversas, de comidas típicas, de shows, de ouvir música regional, de estar perto de artistas da nossa terra. O que vi durante a caminhada? Lixo, muito lixo em dezenas de sacos amontoados ou simplesmente espalhado pelo chão. A Ladeira do Castelo está destruída, com o calçamento todo arrebentado. Os prédios históricos deteriorados. Enfim, senti profunda vergonha daquilo ali. Como levar amigos que vêm nos visitar para um local daquele, sem estrutura, policiamento precário, sem higiene? Como passear com a família num ambiente nessa situação?

O abandono criminoso do Ver-o-Peso
Sob todos os aspectos a Feira do Açaí e adjacências encontram-se em estado lastimável: segurança, higiene, sanitário, comodidade, atendimento etc. É culpa de quem? De quem continua trabalhando dia e noite naquele local para sobreviver, ou de quem abandonou completamente esse ponto importante da cidade? Aquela área do Ver-o-Peso é, como outras na cidade, importante na formação da nossa própria identidade cultural. Infelizmente temos um "doutor" em "traquinagens" na prefeitura, cuja maior preocupação é gerir seus bens materiais, que cresceram como nunca nesses oitos anos de governo, além da continuidade da sua carreira política.

O Complexo Ver-o-Peso está uma vergonha! Seu abandono expressa a canalhice do bloco de poder que se assenhorou desse ente do Estado que é a prefeitura. Duciomar e sua corja querem mais que aquilo tudo se exploda a fim de que, quem sabe um dia, entupir a área de prédios com quarenta andares. Para eles pouco importa história, cultura e identidade, mas tão somente o tilintar das trinta moedas...
Estudantes de Pedagogia da UEPA
e sua professora Regina Ferreira.

Belém merece ser uma cidade justa, democrática e sustentável.

Basta ter alguma sensibilidade para perceber que Duciomar Costa foi uma tragédia para Belém. Seus oito anos de mandato significaram não somente o desconstrução das conquistas sociais e democráticas alcançadas durante o governo de Edmilson Rodrigues, como também a completa privatização do Estado. Todavia, é preciso reconhecer que durante muito tempo fizemos uma leitura equivocada da capacidade política do atual edil. Tal análise foi extremamente nefasta ao conjunto dos movimentos sociais com atuação na capital.

Dudu: mais rico, mais influente, mais ambicioso.
Duciomar Costa nos pareceu uma figura despreparada, frágil e sem capacidade de liderança. De certa forma criamos uma caricatura dele e acabamos acreditando nela. O episódio do diploma falso de médico nos convenceu que aquele sujeito, além de não possuir qualquer senso de ética, era simplesmente ridículo. Um idiota que certamente "daria com os burros n'água".

Entretanto, o que vemos ao final de seu governo é que ele foi capaz de constituir em torno de si o mais amplo e poderoso arco de alianças de forças políticas e econômicas que se assenhoraram do Estado por meio de assistencialismo mesclado com autoritarismo, corrupção e nepotismo, e que auferiram vultosos lucros com a mercantilização do espaço urbano. De um modo geral podemos dizer que estão com Duciomar os capitais imobiliário (incorporadoras, latifundiários urbanos e imobiliárias) e financeiro (bancos e financeiras), empresários (construção civil, transporte, prestadoras de serviço, proprietários de redes de supermercados, grupos que comandam shopping centers etc.), a mídia corporativa e ainda possui influência nada desprezível sobre o Judiciário. Além disso, conta com forte apoio de grupos religiosos (alguns extremamente conservadores), lideranças comunitárias e sindicais, partidos fisiológicos e outros. Evidentemente que isto ocorreu em outras administrações municipais de direita, mas tenho dúvidas que algo semelhante com essa amplitude e capacidade de articulação haja existido.

Duciomar se tornou o homem de confiança da direita "tupiniquim". Uma das suas principais lideranças, e nem a possível derrota de seu candidato vai abalar essa condição. A menos que ocorra uma reviravolta no Judiciário, que os movimentos sociais urbanos saiam de sua condição letárgica, ou que as forças que assumam a prefeitura resolvam fazer uma devassa no governo capitaneado pelo PTB.

Edmilson Rodrigues: esperança de dias melhores para Belém.
A oposição na Câmara de Vereadores foi incapaz de criar grandes embaraços ao atual prefeito. Não podemos negligenciar o fato de que o mesmo detinha o controle do legislativo. Contudo, também não temos como esquecer as alianças estabelecidas entre o PT e Duciomar para viabilizar a campanha pela reeleição de Ana Julia, bem como para garantir a vitória de Dilma Roussef no Pará.

Ao que tudo indica, Dudu terminará seu mandato mais rico, mais influente e ainda mais ambicioso. Como diria uma das personagens do seriado Chaves: "Quem poderá nos salvar?".

Creio que o candidato mais bem preparado para fazer frente a esse bloco de poder que se apossou da prefeitura é Edmilson Rodrigues (PSOL), mas isso será objeto de um outro post.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Adeus, PT!

Ainda a pouco entreguei meu pedido de desfiliação ao Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores (PT). Oficialmente permaneci vinculado ao PT desde 1982. Portanto, dos meus 45 anos de vida, 30 foram como integrante desse partido. Contudo, desde 1997 já não tinha militância partidária, mas apenas participação esporádica em alguns eventos.



Entrei no PT em meio à campanha eleitoral. Naquele longínquo 1982 fiz campanha para militantes do meu bairro e pelo "voto camarão". Explico. É que houve uma manobra interna do grupo do candidato a governador e uma parte da militância resolveu não fazer campanha para o majoritário. Daí o termo "voto camarão": sem o cabeça da chapa.

Fui membro do grupo denominado "Articulação". Em 1985 um coletivo de petistas da Sacramenta, bairro em que vivo até hoje, se juntou a outros do município de Santarém, cujos expoentes naquela época eram Geraldo Pastana, um grande amigo e atualmente prefeito do município de Belterra, Avelino Ganzer, então vice-presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Valdir Ganzer, que em 1986, juntamente com Edmilson Rodrigues, compôs a bancada do PT na Assembleia Legislativa do Pará. Aliás, os dois conseguiram aprovar importantes artigos na Constituição Estadual de interesse dos(as) trabalhadores(as).

Esse grupo evidenciava diversas influências: marxista (de base maoista), cristã (Teologia da Libertação), do recente movimento sindical do ABC paulista e da pedagogia do oprimido formulada pelo educador Paulo Freire. Os outros grupos políticos que integravam o PT do Pará não sabiam ao certo como nos rotular, pois fomos chamados de o "braço do Sendero Luminoso" (grupo guerrilheiro do Peru de tradição maoista) até de agentes infiltrados. O fato é que apostávamos muito fortemente nos camponeses como atores sociais importantes para o processo de construção do socialismo no Brasil, e a maior parte da esquerda ortodoxa via o campesinato como "um movimento pequeno burguês". Somente com o surgimento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) anos mais tarde, além da crescente capacidade de mobilização do "mundo rural" é que essa esquerda começou a mudar de opinião. É engraçado porque até hoje nenhuma das chamadas "revoluções socialistas" foram efetivamente realizadas pelo operariado. Em todas elas o campesinato teve papel fundamental, mesmo na Russia, em 1917.

Paulo Freire: um dos mestres da educação popular.
Também nos orientávamos pela ideia de que para organizar o povo era necessário estar no meio dele, viver como ele, sentir o que ele sentia. Daí a preocupação enorme que tínhamos com a educação popular. Defendíamos a tese de que ninguém conscientiza ninguém, as pessoas se conscientizam ao participarem do processo de construção de uma nova sociedade. Há algo mais "Paulo Freire" do que isso? Essa perspectiva guardava influência cuja origem era a Ação Popular (AP), antes desta se vincular ao Partido Comunista do Brasil (PC do B) durante a ditadura militar. Criamos o nosso próprio "Método de Trabalho de Base". O Ranulfo Peloso, por exemplo, contribuiu anos mais tarde na elaboração de muitos materiais pedagógicos do MST que, sem dúvida alguma, incorporaram algumas das contribuições desse método.

Por outro lado, tínhamos preocupação em não permitir o surgimento de desigualdades no grupo, ainda mais depois que alguns membros elegeram-se para cargos nos legislativos municipal e estadual, além de prefeituras. Nossa política interna de salários era rigorosa: os militantes com cargos no legislativo ou no executivo, por exemplo, recebiam apenas quatro salários mínimos e os demais militantes liberados recebiam dois. Os salários eram administrados pelo grupo. Tal prática funcionou por um bom período, mas depois se tornou fonte de conflitos e de intrigas. A tese era clara: não podíamos nos afastar do povo. Certo ou errado, maluca ou utópica, tal concepção tinha um sentido muito grande de generosidade, de entrega, de fazer as coisas por ideal e não por dinheiro.

Alguns membros do coletivo participaram de cursos em Cuba. A disciplina interna era muito valorizada. Lembro da vez em que o Pedro Peloso (o hoje deputado Airton Faleiro o acompanhou por solidariedade) teve que carregar um botijão de gás do Centro de Formação Chico Roque, na comunidade São Brás, até a sede de Santarém por que o mesmo esqueceu de comprar a botija e não havia luz no local. Creio que são 12 km de distância. Isto em 1985. Lembro disso com certa ironia, pois os grupos petistas que se intitulavam "revolucionários" nem de perto chegavam ao nosso grau de disciplina.

Diretas Já!
Durante todo esse período vivi momentos de profunda tristeza, como os assassinatos de lideranças valorosas e, acima de tudo, bons amigos, entre eles o Dema (na Transamazônica) e Jaime Teixeira. Também tive muitos momentos de felicidade, como a luta pelas Diretas Já, a conquista de diversos sindicatos de trabalhadores rurais, as grandes mobilizações populares em Belém, como as realizadas pela Comissão dos Bairros de Belém (CBB) e o Movimento pela Urbanização Popular (MUP), na Sacramenta, que na década de 1980 já lutava pela macrodrenagem da Bacia do Una.

Não posso esquecer das lutas que desenvolvíamos no meu querido bairro. Nos confrontamos com a família Ferro Costa e conquistamos o titulo de posse para mais de 5.000 famílias. Enfrentamos o Ministério da Aeronáutica e conseguimos que a população permanecesse na área que hoje é conhecida como Malvinas  (no caminho do aeroporto Julio Cesar), bem como em toda extensão que vai desde o antigo galpão da Transporte Aéreo da Bacia Amazônica (TABA),  na Tv. Dr. Freitas com a Av. Pedro Miranda, até a Pedro Alvares Cabral. Nas Malvinas fazíamos mutirão todos os finais de semana, roçando a área para que fossem construídas casas. A Polícia da Aeronáutica, fortemente armada, derrubava as casas durantes o dia e a população reerguia tudo durante a noite. Na área que hoje é o Canal do São Joaquim (da Av. Julio Cesar até a Artur Bernardes) lutamos contra o Exército e a remoção forçada da população para o Conjunto Promorar, hoje chamado Providência (bem perto do aeroporto). Fomos vitoriosos em todas essas lutas.

Leonardo Boff: um dos expoentes da Teologia da Libertação.
Muito disso devemos aos padres João Beuckenboon e Tiago Van Winden. Não esqueço das palavras do Pe. João quando um grupo do Apostolado da Oração, de linha conservadora, questionou-o sobre o porquê de os/as integrantes da Pastoral da Juventude estarem envolvidos(as) com a organização dos(as) moradores(as) do bairro e com a Teologia da Libertação. Disse ele: "Eu não preparo os jovens para a paróquia e sim para o mundo". Guardo um sentimento de gratidão e apreço por esses dois padres. Muito do que tenho de bom dentro de mim devo a eles. O PT do Pará também deve.

Fazer campanha eleitoral para os candidatos petistas era um prazer naquela época. Passávamos horas preparando manualmente os materiais de campanha (quem não lembra do reco-reco, da máquina de estencil, do mimeógrafo a álcool?). Eu e outros amigos chegávamos a trabalhar dezoito horas por dia. Perguntem ao Carlinhos Matos, à Regina Ferreira, ao Claudio Bordalo, ao Jorginho Bastos, à Julinha, ao Lucídio, ao Alberdan Batista, ao Domício Nunes, ao Gilberto Saldanha, ao Getúlio Jales, ao Carlito Aragão e tantos(as) outros(as). Carregávamos escadas, tintas, latas, goma e pincéis pela madrugada. Enfrentamos os cabos eleitorais do antigo PFL no tapa. Em 1986, o grupo que fazia campanha não tinha nem o que comer. A esposa do Nazareno Noronha, comovida com a nossa situação, nos arranjou um saco (de 60 kg) com pescoço de galinha. Foi a nossa refeição por muitos dias. Lembra, Toninha Arcanjo? Também enfrentamos as forças da repressão em plena ditadura militar quando o então presidente Figueiredo veio a Belém. Muitos(as) companheiros(as) ficaram cercados(as) pelas tropas de choque na Igreja da Santíssima Trindade.

Com o finado amigo José Ricardo (o famoso Cabinho) passei um dos maiores "perrengues" da minha vida. Na esquina da Passagem "B" com a Tv. Enéas Pinheiro fomos atacados por um "anti-petista" que avançou sobre nós e outros amigos com uma faca na mão em plena madrugada. Ao fugirmos nos deparamos com um policial que atirou a queima-roupa na nossa direção. Acho que nunca corri tanto na minha vida. Tempos depois o policial veio a participar da luta que desenvolvemos pelo projeto de macrodrenagem.

Vivi também fatos pitorescos. Certo dia o amigo Carlinhos Boução, então membro do Partido Revolucionário Comunista (PRC), convidou-me para ir até á casa dele a fim de lermos juntos as resoluções  do congresso do partido. Quando estava na parada de ônibus, um amigo meu de infância que trabalhava na Polícia Civil ofereceu-me carona. Qual não foi a surpresa do Boução quando o carro da polícia estacionou na porta da casa dele. Nem sei se ele lembra desse episódio.

Outro que me ocorre foi quando a prelazia de Cametá organizou um debate sobre a constituinte com candidatos a deputado federal, em 1986. Estavam lá o Geraldo Pastana, o Humberto Cunha, o Ademir Andrade e o Gerson Peres. Terminado o evento um grupo de partidários do Gerson Peres avançou sobre o Humberto Cunha ofendendo-lhe com palavrões. Lembro de uma figura que abriu uma revista na qual havia uma grande ilustração com a foice e o martelo. O problema era que a rua onde se realizou o evento estava em obras e havia muitos paralelepípedos soltos. Alguns mais exaltados pegaram pedras e ameaçavam jogar no Humberto. Passei a bater fotos da situação e quando percebi um sujeito mal encarado veio na minha direção. Corri e mais adiante parei. Alguns companheiros petistas vinham logo atrás e me senti protegido. De repente a figura passa por mim de bicicleta e alguns metros depois a atira no chão. Quando me dei conta o cara estava com um revólver calibre 38. Apontou a arma pra mim e disse: "tu vai morrer seu filho da puta". Somente deu tempo de mirar a janela de uma casa e correr em sua direção. A proprietária assustada fechou a mesma imediatamente. Encurralado peguei alguns socos, tive os óculos quebrados, mas me recusava a entregar a câmera. Quando a figura apontou a arma novamente na minha cara a galera do PT chegou gritando, a senhora abriu a janela e eu dei um pulo olímpico para dentro da casa. Estava salvo.

Há uns seis anos atrás estava com o meu filho caçula na loja Magazan, da Doca de Souza Franco, onde encontrei o Gerson Peres e uma criança que parecia ser o neto dele. Disse ao meu filho Lucas: "olha lá o cara  cujo capanga quis atirar em mim". Ele imediatamente falou: "vai lá pai, dá-lhe uma surra nele". Naquele dia eu fui acometido de uma crise de riso.

Bem, eu poderia escrever uma quantidade enorme de laudas relatando muitas experiências que vivi no PT. Boas e más. Quem sabe um dia publico um livro de memórias. Reconheço que devo muito a esse partido. Meus sentimentos de liberdade, solidariedade, justiça e outros se consolidaram na militância política. Conheço dezenas de pessoas espalhadas por essa Amazônia que acreditam no PT, e que fazem dele um importante instrumento da luta política. São dedicadas, honestas e comprometidas com a transformação social. Todavia, não acredito mais que haja qualquer possibilidade de mudar os rumos do partido, pois as mesmas não têm poder para alterar a lógica dominante nele.

No passado, tínhamos os trotskistas, os "igrejeiros", os leninistas, os maoistas e outros agrupamentos políticos que se digladiavam para definir a linha partidária. Hoje, os grupos se organizam em torno dos mandatos. É o grupo do deputado "X", do vereador "Y". Cada um aposta em estratégias que lhes garantam a renovação dos próprios mandatos. Esse foi um dos motivos que me fizeram abandonar a Articulação em 1997 e deixar de ter uma vida partidária a partir de então.

Em contrapartida, temos petistas históricos que estão sendo criminalizados(as) por defenderem os direitos humanos. Vide o que acontece em Altamira com as pessoas que lutam contra Belo Monte. A legislação ambiental está sendo destruída para dar vazão aos interesses dos grandes grupos econômicos que querem se apoderar de vastas extensões de terras e dos recursos nelas contidas. A própria Constituição Federal vem sendo modificada para garantir a entrada de mineradoras e madeireiras em terras indígenas. Áreas de preservação são reduzidas (Floresta Nacional de Itaituba I e II) para viabilizar a construção de hidrelétricas nos rios Teles Pires e Tapajós de grande interesse das empresas do agronegócio (ADM, Bunge, Maggi, Cargil etc.). O desenvolvimentismo é a nova "utopia" de grande parte da esquerda no comando do país. Infelizmente.

A destruição provocada por Belo Monte
Saio, mas não renego as minhas origens. Tenho muitos(as) amigos(as) no PT e farei de tudo para não perder essas amizades. Não penso em associar-me a qualquer outra agremiação partidária, mas não deixarei de fazer política. Vou entregar-me mais do que nunca a fortalecer a resistência contra o atual modelo de desenvolvimento, e humildemente contribuir para manter acesa a utopia por uma nova sociedade, pelo fim do capitalismo.