sexta-feira, 29 de junho de 2012

Criminosos que incriminam

Você deve estar acompanhando o noticiário sobre a renhida resistência de indígenas, ribeirinhos, mulheres, jovens, agricultores familiares, pastorais sociais e outros segmentos contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte, lá em Altamira (PA). Pois bem, há um grupo de lideranças que está sendo criminalizado por conta da última ocupação no canteiro de obras da Norte Energia. O absurdo da situação é que pessoas que sequer encontravam-se no município durante o ato dos movimentos sociais foram denunciadas pela Polícia Federal. É o caso, por exemplo, da Antonia Melo, liderança do movimento de mulheres daquela região.

Antonia Melo
Quando ocorreu o ato a Antonia Melo estava no Rio de Janeiro participando da Cúpula dos Povos durante a Rio+20, abordando  justamente as violações contra os direitos humanos provocadas pela ação/omissão dos governos federal, estadual e municipal, bem como pelo consórcio das empresas responsáveis pela construção da barragem. Ou seja, a denúncia da PF não se baseou em fatos, mas tão somente com a intenção de intimidar, pressionar, impor o medo naqueles(as) que lutam contra a estratégia suicida das elites políticas e empresariais que querem garantir o acesso, uso e controle irrestrito dos recursos naturais existentes na Amazônia aos grandes grupos econômicos nacionais e transnacionais, mesmo que isso provoque a desestruturação dos modos de vida de comunidades inteiras, a destruição da floresta, a contaminação da água e do ar, o inchaço das periferias urbanas, a falência do serviço público (incapaz de atender o aumento exponencial das demandas), o aumento das diferentes modalidades de violência, a expansão do consumo das drogas, o desaparecimento de espécies da fauna e da flora etc.

Muitos falam sobre a ausência do Estado na Amazônia. Nada mais equivocado, pois, historicamente, o Estado brasileiro sempre se fez presente quando os interesses dos poderosos correram algum risco. Foi assim na Cabanagem, no assassinato de Quintino Lira pela Polícia Militar durante o primeiro mandato de Jader Barbalho no governo estadual, na proteção às propriedades dos latifundiários do Sul e Sudeste do Pará - que, diga-se de passagem, foram obtidas em grande parte através da grilagem de terras públicas -, no remanejamento forçado de populações ribeirinhas, indígenas ou de agricultores familiares para a construção das hidrelétricas de Samuel (RO), Balbina (AM) e Tucuruí (PA) e agora em Altamira, entre tantos outros exemplos. O Estado se faz ausente para alguns setores da sociedade amazônida, nunca para os poderosos: Federações das Indústrias, Federações da Agricultura, Zona Franca de Manaus, Vale, ALBRAS, ALUMAR, Norte Energia, Consórcio Energia Sustentável (RO), Consórcio Madeira Energia (RO), Maggi, Cargil, ADM, Eletronorte, Petrobras, madeireiras, agronegócio, Daniel Dantas, ALCOA etc.

Cerca de 200 índios Xikrin e Juruna estão acampados desde o dia 21
 nas obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte 
Enquanto os representantes de organizações da sociedade civil são alvo de inquérito policial em Altamira, o Consórcio Norte Energia ignora as mais de 40 condicionantes a que foi obrigado acatar para que obtivesse a licença de instalação do canteiro de obras. Nesse caso, nem os governos e nem os poderes legislativos tomam as rédeas da situação para que o Consórcio cumpra com o que foi determinado. Prevaricam, fecham os olhos para as atrocidades cometidas contra a população (casas são derrubadas para forçar os moradores a saírem do local; escolas, hospitais e outros equipamentos públicos não foram construídos, as indenizações pelas benfeitorias dos ribeirinhos são baixíssimas, para citar apenas alguns exemplos), concedem incentivos fiscais e tributários indecentes, descumprem a legislação ambiental... Ou seja, quem comete crimes é quem incrimina. E o culpado é sempre o mordomo.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Eleição de mentirinha?

Recentemente ocorreram novas eleições na Grécia e o partido conservador Nova Democracia foi vitorioso. Este deverá formar o governo em aliança com o Partido Socialista (Pasok). Ambos defendem a agenda neoliberal imposta pela Alemanha e FMI à Europa: corte nos gastos sociais, revisão das leis trabalhista e previdenciária, austeridade etc.. Sem dúvida alguma os dois partidos estão entre os principais responsáveis pela situação caótica em que vive a Grécia e a extrema dificuldade porque passa sua população. Enquanto os bancos recebem fabulosas quantias de euros (aos bilhões) para se "salvar", a grande maioria dos gregos vive dias difíceis por conta do desemprego, do aumento da violência, do definhamento da democracia.

Alguém poderá objetar a afirmação acima dizendo que a democracia, apesar das turbulências sociais e econômicas, está preservada na Grécia já que a Nova Democracia chega ao poder amparada na "vontade das urnas". Contudo, como nos ensina o dito popular, o"buraco é mais embaixo". A Alemanha e outros países europeus, o Fundo Monetário Internacional (FMI), o conglomerado da mídia internacional e instituições financeiras do "velho continente" interviram de forma aberta nas eleições gregas, ao baterem na tecla de que a vitória do partido de esquerda Syriza levaria a Grécia a abandonar o euro enquanto moeda única, bem como resultaria no aprofundamento da crise que já é bastante grave. Eis o que nos diz um  artigo publicado recentemente no site OperaMundi sobre essa questão:
A crise da dívida iniciou entre 2004 e 2009, quando a Nova Democracia estava no poder e não só multiplicou por dois a dívida grega, como também maquiou as contas do país: apresentou um déficit de 6% do PIB quando, na verdade, este alcançava 16%. A Europa celebrou segunda-feira a vitória da Nova Democracia como uma salvação do euro. Nada pode ser mais falso: nenhum partido, nem sequer a coalizão de esquerda radical Syriza, optou por sair da moeda única. Berlim e os meios de comunicação fizeram um grandioso trabalho de manipulação: “não acreditamos neles, por isso votamos por Nova Democracia tapando o nariz”, dizia ontem um jovem eleitor da ND. O mais assombroso reside no fato de que a Europa pôs suas fichas na casa de um partido implicado até os ossos na debacle e em um homem cuja trajetória está cheia de variações incongruentes. 
O que está sendo vivenciado pela Grécia é o padrão que passou a vigorar, em especial, a partir da década de 1980 no mundo. A hegemonia neoliberal se materializou porque os países mais poderosos do planeta conseguiram fazer com que suas agendas política e econômica fossem assumidas pela maioria das nações sem grandes questionamentos. Esse processo contou com o envolvimento estratégico do FMI, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio (OMC), grandes grupos de comunicação, agências de classificação e outras instituições importantes. Bastava que um candidato ou partido sugerisse algo que se contrapusesse a um algum ponto de interesse da banca internacional, das transnacionais ou do G-7 para que fosse "implodido" por "comentaristas" políticos e econômicos, partidos e segmentos sociais conservadores e grupos empresariais. A perseguição se mostrava implacável, pois consideravam inadmissível o questionamento aos preceitos neoliberais: Estado mínimo, abertura comercial, privatização das empresas públicas, liberdade para a entrada e saída de capitais, cortes nos gastos governamentais, focalização das políticas públicas, desregulamentação do setor financeiro, revisão de direitos sociais etc.

Partido Nova Democracia

Quando um candidato ou partido não era considerado "confiável" pelo "mercado" as ameaças se apresentavam de diferentes formas: saída do capital estrangeiro, avaliação negativa elaborada pelas agências de classificação, especulação, aumento do dólar... Ou seja, só havia uma alternativa: ou o concorrente se enquadrava ou estava fora do jogo. Programas de governo se consolidaram como meras peças de ficção, pois os compromissos com a manutenção das políticas macroeconômicas é que realmente valiam, independentemente do que o/a candidato(a) dissesse à população. As próprias eleições mais pareciam rituais formalmente organizados, pois os "programas governamentais" já se encontravam definidos bem antes pela banca internacional e seus pares. Estes eram os "verdadeiros" eleitores.


Alexis Tsipras um dos líderes da Coalizão da Esquerda Radical Syriza
Hoje, há muitos questionamentos ao neoliberalismo. Todavia, isto não significa que seus pressupostos foram completamente abandonados. A situação no Brasil, no Peru, na Bolívia, na Espanha, em Portugal, na Grécia e em muitos outros países mostram o contrário.

A realização de eleições regulares, livres e transparentes são importantes para a consolidação da democracia em qualquer nação. Contudo, as últimas eleições na Grécia mostram que nem sempre é assim que a coisa funciona na medida em que os que realmente decidem os destinos dos gregos não possuem título, não entram nas filas e nem nas cabines de votação. A eleição foi de mentirinha?

O povo vai às ruas na Grécia