terça-feira, 18 de junho de 2013

Belém do Pará na contramão do Brasil

Começo essa postagem admitindo que errei ao fazer algumas interpretações sobre o Movimento Passe Livre, na semana passada. Não errei exatamente como o Arnaldo Jabor, que em uma semana meteu o cacete no movimento em rede nacional de televisão e na outra pediu desculpas via rádio. Na verdade eu analisava em uma conversa casual na minha casa de que eu achava totalmente válidas as manifestações ocorridas, até então, em São Paulo, mas que o aumento da passagem de ônibus não justificava tanto vandalismo, como se viu pela televisão.
Puro engano, meus amigos. Dois enganos na verdade. O primeiro deles foi achar que os protestos eram apenas por 20 centavos e o segundo por acreditar no que eu vi pela tv e achar que o vandalismo começou pelos manifestantes. Temos inúmeras provas de que a culpa de tamanha depredação não foi, em sua maioria, dos manifestantes (prova 1, prova 2, prova 3, entre outras).
Qualquer um que passar meia hora na internet vai ver inúmeras análises sobre como e porquê tudo isso está acontecendo no Brasil. A minha é a de que tínhamos já há algum tempo várias condições necessárias que geraram toda essa insatisfação popular. Há muito nos deparamos com inúmeras denúncias de corrupção dos mais diversos partidos, assim como o mal gasto do dinheiro público, os sucessivos aumentos dos salários dos deputados, Feliciano na Câmara, Calheiros na presidência do Senado, altíssimos impostos, a precarização dos serviços prestados pelo Estado, o abuso das grandes empresas privadas à nossa saúde, meio ambiente e bem estar. Se não houvesse tanta insatisfação anteriormente, a Dilma não teria pego uma vaia tão grande no sábado passado. Porém até mesmo a Copa das confederações, a Copa do Mundo e as Olímpíadas não foram suficientes para gerar o estopim do que está acontecendo. Na verdade a gota d'água não foram nem esses 20 centavos em São Paulo: a culpa do estopim foi da grande imprensa nacional e da polícia militar de São Paulo.

Ao lado de Joseph Blatter, Dilma é vaiada na abertura da Copa das Confederações

Os grandes responsáveis pelos protestos adquirirem caráter nacional foram o Governador Geraldo Alckmin e o Prefeito Fernando Haddad, ambos de São Paulo (estado e capital). Chamar os manifestantes de baderneiros e dizer que não ia negociar com eles foi um tiro no pé. A grande imprensa também teve contribuição vital para a geração do estopim, quando na quinta-feira, dia 13/06, pediu em seus editoriais uma ação mais enérgica dos policiais, o que culminou até então na noite mais violenta dos protestos. Pronto, agora sim o estopim fora aceso. Os jornais mudaram completamente de estratégia depois da quinta-feira, com vários repórteres feridos nos confrontos e os inúmeros vídeos feitos pelos próprios manifestantes denunciando a truculência da polícia paulista. Ficou claro que eles perderam a batalha da informação. Vale ressaltar que o meu vídeo preferido é esse a seguir:


Mas o vídeo que o grupo denominado Anonymous fez com a nova música d'O Rappa foi sensacional também:


Por falar nessa música, a Fiat resolveu tirar o comercial do ar depois dela ser usada nos protestos. Ou seja, meus amigos, toda aquela insatisfação que já ocorria, somada com o aumento da tarifa de ônibus, mais a reação dos governantes e a truculência dos policiais geraram as manifestações que estamos vendo Brasil a fora. Ontem mais de 50 protestos foram contabilizados em diferentes cidades do Brasil. Houve tentativa de invasão da sede do governo de São Paulo, do Rio de Janeiro e Paraná. Em Brasília os manifestantes tomaram o Congresso Nacional. Não se via algo parecido no Brasil desde o movimento dos "Caras Pintadas", que pedia o Impeachment do então Presidente Collor, há 21 anos atrás.

Brasília tomada por manifestantes, dia 17/06/2013.

Ontem também houve diversos abusos, principalmente no Rio de Janeiro, que reuniu 100 mil pessoas nos protestos. Não deixem de ver o vídeo a seguir, não consigo pensar em outra coisa senão uma guerra civil:


Como o movimento se tornou nacional, aqui em Belém nos mobilizamos também, tanto como forma de apoio aos demais estados como pra reinvindicar nossas próprias demandas. "Pare Belo Monte!", "Vem pra rua", "Copa do Mundo não, queremos Educação!", entre outros cânticos foram entoados. O protesto reuniu pelo menos 13 mil pessoas e foi COMPLETAMENTE pacífico, de ambos os lados. Muitos jovens, que fazem universidade e até que ainda estão no Ensino Médio estavam presentes, assim como outros setores da sociedade civil, como o movimento de mulheres, associações específicas de estudantes, e alguns poucos militantes de partidos políticos, como podemos ver nesse vídeo lindo, como todo mundo cantando o hino nacional.



Pelo Facebook, eu vi muitas manifestações de agradecimento à polícia militar do Pará, por terem acompanhado todo o trajeto da manifestação, sem em nenhum momento ter feito qualquer tentativa de intimidação ou algo do tipo. Muitos se surpreenderam com essa posição, ainda mais com uma instituição que ficou marcada pelo massacre que ocorreu em Eldorado dos Carajás há 17 anos atrás (do então governador Almir Gabriel, que era do mesmo partido do atual governador Simão Jatene, do PSDB), além de toda violência vista nos outros estados. Eu confesso que desconfio e muito da polícia do nosso estado (já peguei porrada sem motivos, junto com meu irmão e amigos, depois de um jogo do Clube do Remo, no Mangueirão), mas realmente foi muito boa a posição deles na nossa manifestação. Ainda assim, eu não me surpreendi com isso: seria no mínimo idiotice a polícia sentar o cacete na gente, visto a grande repercussão do que aconteceu nos outros estados. Duvido muito se a posição seria a mesma se esse nosso protesto tivesse ocorrido na semana passada, junto com o início dos protestos em São Paulo.
É justamente por isso o motivo do título dessa postagem. Belém vai, graças a Deus, na contramão no resto do Brasil, justamente pelo fato de não ter havido violência ontem. Posso estar muito errado (e espero estar), mas acho sinceramente que o caráter pacífico do nosso ato de ontem vai fazer com quem as pessoas acalmem os ânimos e que os demais protestos sejam menores. O governo do Estado e a Prefeitura (que são governados pelo mesmo partido) não tem nenhum interesse que o que tá acontecendo nos outros estados aconteça aqui também, e passaram a seguir a nova estratégia da mídia nacional de elogiar e tornar válidas as manifestações, e canalizar tudo que há de ruim para o governo federal.
É fácil ver a mudança da grande mídia nacional. Como vimos anteriormente, o Jabor mudou completamente de discurso, mas uma análise mais profunda mostra a tentativa de fazer tudo se voltar contra o governo federal. Na verdade não acho que ele está tão errado, realmente o governo federal tem muitos problemas de gestão, e a Copa do Mundo é um enorme exemplo disso, mas daí a dizer que a Dilma ou o PT são os únicos responsáveis pelo problemas da nação, é demais. Precisamos tomar cuidado pra mídia não nos manipular e tentar conduzir os nossos protestos. A falta de liderança do movimento, justamente por ser feito por várias pessoas que resolveram se unir, pode facilitar essa nova tentativa de manipulação da mídia. Precisamos urgentemente discutir os rumos do movimento, chamar mais pessoas pra causa e não parar de lutar pelos nossos direitos.
Belém do Pará, que deu um exemplo pro Brasil, vamos à luta!

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Santo Agostinho e o tempo.

Santo Agostinho de Hipona
(354-430)
O que é o tempo? Santo Agostinho se colocou tal indagação há muitos séculos atrás, mas demonstrou dificuldade em dizer o que o tempo é: (...) E no entanto, haverá noção mais familiar e mais conhecida usada em nossas conversações? Quando falamos dele, certamente compreendemos o que dizemos; o mesmo acontece quando ouvimos alguém falar do tempo. Que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; mas se quiser explicar a quem indaga, já não sei. (...)(Santo Agostinho. Confissões. Tradução: Alex Marins – São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 268). Não há como negar que quando alguém fala do tempo para nós parece não haver qualquer dúvida quanto ao seu significado, mas você seria capaz de afirmar o que é o tempo? Conceituar o tempo talvez seja um dos maiores problemas que se colocam ao conhecimento humano desde priscas eras. Portanto, não fique "bolado" por isso.

Para Santo Agostinho, Deus é o criador de tudo o que há no universo, inclusive o tempo. Ou seja, a existência de Deus não se dá no tempo, porque este é fruto da criação divina. Daí ser um absurdo, de acordo com aquele doutor da Igreja Católica, alguém perguntar o que fazia Deus antes de criar o universo, simplesmente porque não haveria o antes. Então, não havia sentido tratar de algo inexistente antes de Deus tê-lo criado:

Se algum espírito leviano, vagando por tempos imaginários anteriores à criação, se admirar que o Deus Todo-Poderoso, tu, que criaste e conservas todas as coisas, ó autor do céu e da terra, tenha-te mantido inativo até o dia da criação, por séculos sem conta, que esse desperte e tome consciência do erro que gera sua admiração. Como, pois, poderiam transcorrer os séculos se tu, criador, ainda não os tinha criado? E poderia o tempo fluir se não existisse? E como poderiam os séculos passar, se jamais houvessem existido? Portanto, como és o criador e todos os tempos, – se é que houve algum tempo antes da criação do céu e da terra – como se pode afirmar que ficaste ocioso? Pois também criaste esse mesmo tempo, e este não poderia passar antes que o criasse.
(...) Se porém antes do céu e da terra não havia tempo algum, porque perguntam o que fazias então? Não poderia haver então se não existia o tempo (p. 266-267).

 Se tomarmos como base as afirmações de Santo Agostinho chegamos à conclusão de que o tempo não é eterno, no sentido filosófico da sempiternidade, já que o tempo teria uma datação por ter nascido em determinado momento. Nesse caso, somente Deus seria sempiterno, enquanto o tempo não:
Entendemos confusamente por eternidade duas coisas, que convém distinguir. A eternidade pode significar, como em Santo Agostinho, e antes dele em Parmênides, Platão e Plotino, o Ser presente que não tem passado nem futuro. Ver as coisas sob o prisma da eternidade, como preconiza Espinosa, é considerá-las presentes à razão, em sua totalidade. Mas o senso comum entende por eternidade o que chamamos, na tradição filosófica, de sempiternidade (sempiternitas), quer dizer, uma duração que não se esgota jamais, com um futuro que nunca pára de advir ou de chegar, e um passado que cresce incessantemente: um tempo que nunca acaba de passar, tal qual um disco que não pára de girar... “sempiternamente”. É assim que o crente comum imagina a vida eterna no paraíso: um tempo sem fim que adentra pelos séculos dos séculos, ao passo que, de um ponto de vista teológico, a felicidade eterna do paraíso consiste em ser plenamente sem a expectativa de um futuro que ainda não teria chegado, sem os lamentos de um passado que já teria transcorrido, mas na contemplação da glória eternamente presente do Ser divino.
Ora, o mundo não é eterno no sentido de sempiterno: o mundo não existiu sempre, seu passado não é infinito; os terráqueos que somos atribuímos-lhe uma existência de uns 15 bilhões de anos aproximadamente... A menos que um período de contração, ou outro fator desconhecido, tenha precedido este período de expansão, e que o Big Bang tenha-se seguido à desagregação (big crunch) de um universo precedente; neste caso não haveria eternidade, mas na verdade sempiternidade do mundo.
Se existe eternidade do mundo, esta não se refere à sua existência material mutável, mas às suas leis, à sua ordem. (PIETTRE, Bernard. Filosofia e ciência do tempo/Bernard Piettre; tradução: Maria Antonia Pires de Carvalho Figueiredo. – Bauru, SP: EDUSC, 1997p. 198-200).
Ocorre, porém, que para Santo Agostinho há somente o presente. Nem passado e nem futuro existem realmente. O primeiro porque já passou. O segundo porque ainda não chegou. Nesse caso, o passado só se apresenta para nós enquanto memória; e o futuro enquanto esperança. Já o presente seria a percepção direta que temos dele. Por conseguinte, os três tempos existentes para Santo Agostinho são: o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro. Essa perspectiva influenciou pensadores de diversas matizes teóricas, inclusive alguns marxistas.

Entretanto, há quem afirme que o tempo agostiniano é o tempo da alma e não o tempo do mundo. Contudo, isso é uma história...

domingo, 19 de maio de 2013

Deus, a Arca de Noé, o salvamento dos dinossauros e a ciência.

A Arca de Noé
Três situações. A primeira: Há alguns dias atrás um grupo de participantes da Convenção Americana de Paleontologia resolveu visitar o Museu da Criação, localizado no norte do estado de Kentucky. O tal museu foi edificado por membros de várias denominações religiosas que contestam a Teoria da Evolução das Espécies, elaborada por Charles Darwin. Segundo os organizadores do museu, a Terra, o universo, os dinossauros, o homo sapiens e tudo mais têm apenas 6.000 anos de idade. Ou seja, Deus teria criado a um só tempo tudo o que há ou existiu no nosso planeta. Para os criacionistas os dinossauros morreram por causa do dilúvio em 2.348 a.C., mas cerca de 50 espécies foram salvas por Noé em sua arca. Todavia, como explicar a diversidade de plantas e animais existentes em nosso planeta em tão pouco tempo? A resposta dada é que "Deus forneceu aos organismos ferramentas especiais para mudar rapidamente". Simples assim!
Martinho Lutero

A segunda: Em 1539, Martinho Lutero (1483-1546) se mostrava inconformado com a teoria apresentada pelo cônego polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), que situava o Sol no centro do sistema planetário e não mais a Terra. Até o Renascimento o pensamento hegemônico era que o nosso planeta ocupava o centro do universo. Tal ideia de Copérnico, segundo Lutero e a própria Igreja Católica, ia de encontro ao que estava na Bíblia, pois de acordo com a leitura literal que faziam das sagradas escrituras, Deus colocou a humanidade no epicentro do universo por ser sua imagem e semelhança. Lutero bradou contra Copérnico: "Este louco quer inverter todas a ciência da astronomia; mas as sagradas escrituras nos dizem (Josué 10,13) que Josué ordenou que o Sol parasse,  não a Terra".

A terceira: Galileu Galilei (1564-1642), matemático, físico e astrônomo italiano, sofreu perseguição por parte da Igreja Católica que não aceitava suas conclusões posto que colocavam em xeque, entre outras coisas, a teoria que supunha Terra no centro do universo. Através de um livro lançado em 1610 intitulado O Mensageiro das Estrelas (Sidereus Nuncius) apresentou várias de suas descobertas: os satélites de Júpiter, as montanhas e as crateras da Lua e outras mais. Por conta do questionamento que fazia à teoria geocêntrica, formulada por Claudius Ptolomeu  (85-165) e que respondia aos interesses e expectativas da Igreja Católica e de outras denominações cristãs, foi duramente perseguido pela Inquisição e somente não foi queimado na fogueira porque renunciou (oficialmente) às suas ideias.

Galileu Galilei
Nos três casos citados percebe-se o conflito latente entre religião e ciência. Se, de um lado, os criacionistas nos remetem ao obscurantismo por conta da negação das conquistas científicas proporcionadas pela Teoria da Evolução das Espécies para a melhor compreensão do mundo em que vivemos; de outro, a ciência, não possui em si mesma a verdade. Aliás, a última edição da Revista Ciência Hoje, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), traz uma interessante matéria intitulada Confiabilidade em crise: até onde podemos acreditar na literatura científica? A reflexão que a matéria suscita diz respeito a aparente objetividade da literatura científica da área biomédica e a ocultação dos conflitos de interesse, erros de pesquisas, o papel dos financiadores, assim como propugna maior transparência na apresentação e debate dos resultados das pesquisas.

É preciso sempre ressaltar: a ciência não trabalha a partir de dogmas e é ciência justamente porque pode ser questionada. Esses são alguns dos aspectos cruciais que a diferencia da religião. Atualmente existem muitos pontos de atritos entre ciência e religião como os casos referentes ao aborto e aos estudos com células-tronco. Como enfrentá-los de maneira a atender essencialmente os interesses da sociedade e não somente de pequenos grupos - sejam eles econômicos, políticos ou religiosos - é, talvez, o grande desafio que se impõe a todos(as) nós. Contudo, o posicionamento de setores como os dos organizadores do Museu da Criação  pouco ou nada ajudam ao bom diálogo.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

O Big Brother da vida real.

Reflita sobre essas situações: a) Sua empresa construiu um novo programa de computador que colocará em xeque os serviços oferecidos por uma grande transnacional, pois tornará obsoleto um determinado  serviço monopolizado por ela que, aliás, lhe rende milhões e milhões de dólares ao ano; b) Você é um ativista político que luta contra as tentativas do seu governo de implantar centenas de hidrelétricas na Amazônia que juntas promoverão a destruição de vastas extensões do território. As ações desenvolvidas por você  e seu grupo criam enormes constrangimentos e prejuízos a poderosas empreiteiras e bancos vinculadas aos empreendimentos. Conseguiu mentalizar as duas situações? Vamos ao próximo passo.

Nas duas situações você se tornou um estorvo e será preciso fazer algo para contê-lo de alguma forma. Então, os contrariados por você resolvem espioná-lo. A alternativa encontrada é introduzir um drone na sua residência a fim de vigiá-lo 24 horas por dia, durante os 07 dias da semana e 365 dias do ano. O drone em questão tem o formato de uma pequena mosca que permanece "colada" em você. Através desse dispositivo seus adversários sabem absolutamente tudo o que você você faz. O que você acha dessa situação?

Um tipo de drone utilizado pelos EUA no Afeganistão
Um Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT) ou Veículo Aéreo Remotamente Pilotado (VARP), também chamado UAV (do inglês Unmanned Aerial Vehicle) e mais conhecido como drone (zangão, em inglês), é todo e qualquer tipo de aeronave que não necessita de pilotos embarcados para ser guiada. Esses aviões são controlados à distância, por meios eletrônicos e computacionais, sob a supervisão e governo humanos, ou sem a sua intervenção, por meio de Controladores Lógicos Programáveis (PLC) - ver Wikipedia. Se você acompanha de alguma forma pelos meios de comunicação a ocupação militar promovida pelos Estados Unidos no Afeganistão já ouviu falar dos drones. Aliás, no mesmo período em que ocorreu a explosão de uma bomba durante a maratona de Boston alguns poucos jornais noticiaram a morte de dezenas de civis afegãos, a maioria crianças, provocada pelas bombas lançadas por um drone.

A última edição da revista Scientific American traz uma interessante reportagem alertando sobre os perigos à privacidade dos estadunidenses por conta de um possível uso intensivo e extensivo de drones no interior  do próprio país. O debate no Congresso sobre esse assunto está paralisado. Enquanto isso, os órgãos de segurança dos Estados Unidos vêm investindo montanhas de dólares no aperfeiçoamento dos drones, com a possibilidade de que no futuro os mesmos adquiram o formato de uma simples mosca ou vespa para efetuar a vigilância de pessoas, por exemplo. 
Mosca ou drone?
Entretanto, há quem refute tal possibilidade afirmando que tais "veículos" serão empregados no socorro a vítimas de catástrofes ou no combate às drogas, entre outras atividades legais. Quem garante que os drones não serão utilizados para o controle em massa da população quando não há sequer regras claras na legislação estadunidense sobre o assunto?

O genial George Orwell tratou em seu livro 1984 do Grande Irmão (o Big Brother), este capaz de exercer o controle totalitário sobre a sociedade e seus cidadãos. Nada lhe escapava ao controle. Será que os drones vieram para confirmar que essa é uma possibilidade que se torna cada vez mais real? Pense nisso.

sábado, 18 de agosto de 2012

Sacramenta: um bairro de lutas e de muita história.

Moro numa parte do bairro da Sacramenta que anos atrás era quase que completamente alagada. É o que chamamos em Belém de "baixadas": regiões da cidade que ficam abaixo do nível dos rios que a circundam. Minha casa, assim como a grande maioria, era de madeira, construída sobre o Canal da Pirajá, anteriormente um dos muitos igarapés que atravessavam a capital paraense. Quando chovia as águas do igarapé invadiam nosso banheiro e por pouco não tomavam conta do andar térreo. Durante o inverno a situação piorava. Tínhamos que ir para o trabalho com os sapatos nãos mãos, pisando na lama até o momento em que parávamos em alguma casa mais adiante para lavarmos os pés e seguirmos viagem.

Baixada de Belém - Bacia do Una
No dia que o meu filho Alexandre completava cinco anos caiu uma chuva torrencial que alagou completamente a Rua Nova, onde moramos até hoje. A altura da água chegava no joelho.  Tentei persuadir a Regina a mudar o local da festa para a casa de uma das minhas irmãs, mas ela não aceitou dizendo que a comemoração tinha que ser na nossa residência. Ela chorava copiosamente, pois temia que ninguém participasse da comemoração. Qual não foi a nossa surpresa quando os/as amigos(as) começaram a chegar, com suas calças e saias suspensas até o joelho, sapatos nas mãos. Foi um momento de grande alegria, daqueles inesquecíveis.

No local o Hotel Regente, na década de 60 foi a sede
da União Acadêmica Paraense (UAP).
Seu prédio e teatro foram destruídos sob
 o comando do coronel José Lopes de Oliveira
Durante a ditadura militar e principalmente na década de 1980 se constituíram fortes movimentos sociais urbanos que lutavam por melhores condições de vida da população da periferia. A Sacramenta era um dos bairros mais mobilizados à época. Haviam três grandes lutas se desenvolvendo no período:  1) Na Área da Aeronáutica (desde o início do Canal da Pirajá, na Av. Dr, Freitas, até área que se convencionou chamar Malvinas, às margens do Canal São Joaquim). Aliás, nesta última os nomes das ruas são de pessoas que estiveram à frente das lutas pela  permanência da população no local, ou das que apoiaram as ações do antigo Centro Comunitário Primeiro de Setembro: Claudio Bordalo, Carlos Augusto dos Santos Silva (o Guto), Raimundo Jorge Pires Bastos, Pe. João  Beuckenboon, Dr. João Marques e outros; 2) Na Área Promorar (Canal do São Joaquim) contra as tentativas do Exército de remanejar compulsoriamente centenas de famílias para o que é hoje o bairro Providência, próximo ao aeroporto, e; 3) Na área denominada Ferro Costa, por conta da família (latifundiários urbanos) que se dizia proprietária da região onde moravam cerca de 5.000 famílias.

Na Área ferro Costa travamos  intensas disputas com Jader Barbalho e seus aliados, que incluía naquela época a militância dos Partidos Comunista Brasileiro (PCB) e do Brasil (PC do B). Jader e seus assessores mais próximos estimularam gangues de arruaceiros a nos enfrentar nas ruas. Então, era muito comum os choques violentos, pois eles nos atacavam quando desenvolvíamos a mobilização da comunidade para lutar pela desapropriação da área e a titulação das posses. É impossível não lembrar de pessoas valorosas  que se empenharam de corpo e alma nessa luta: seu Laudemar, Carlito Aragão, Alberdan Batista, Marciana, Irene, os/as integrantes do Movimento Jovem da Passagem "E"/MOPAE (Carlinhos Matos, Nei, Neia, Souza, Rosa e outros) e da Juventude Unida na Caminhada pela Libertação do Povo/JUCALP (Domício, Cabinho, Nana, Maria, Rosa, Lucia, Lucica, Graça e outros), ambos grupos jovens da Paróquia de São Sebastião que, inspirados na Teologia da Libertação, se integravam às lutas sociais. Também é preciso lembrar da participação ativa da base social dos Centros Comunitários Irmãos Unidos e Boa Esperança.

Nas manifestações organizadas pela Comissão dos Bairros de Belém (CBB), como as grandes passeatas pelas ruas do centro, as organizações comunitárias da Sacramenta estavam entre os destaques. Chegávamos fazendo muito barulho: "Aguenta, aguenta, aguenta, chegou a Sacramenta!", bradávamos com todas as forças. Íamos em passeata do bairro até o centro para nos juntar aos outros movimentos sociais.

Na década de 1980 criamos a partir da antiga Área Ferro Costa o Movimento pela Urbanização Popular (MUP), que tinha como objetivo estratégico a urbanização da área influenciada pelo Canal da Pirajá. Moradores e moradoras como a Doninha, seu João Trindade, dona Lucinha, dona Maria, dona Rosa, Gilberto Saldanha, Regina Ferreira, seu Benedito, Jorge Cabeção, seu Aluísio e esposa, Pedro Peloso, Varela e outros(as) merecem todas as homenagens pelo que fizeram.

Não é possível negar a contribuição do MUP para a constituição posterior do Movimento em Defesa do Projeto de Macrodrenagem, que reunia centros comunitários de diferentes bairros da Bacia do Una, bem como do Movimento em Defesa dos Projetos de Saneamento, que incorporava entidades de Ananindeua que atuavam nas áreas onde estavam sendo (mal) executados o PROSEGE e o PROSANEAR, projetos de saneamento financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Mundial (BIRD), respectivamente.

Na luta para melhorar as condições de vida na nossa área realizamos mutirões, assembleias, ocupação da Secretaria Municipal de Saneamento e muitas outras iniciativas. Lembro da vez em que Carlinhos Matos, Gilberto Saldanha, Domício Nunes e eu entramos em baixo do piso da retífica que se localizava bem no encontro dos canais da Pirajá e do Galo, bem ali no bairro do Acampamento, próximo à famosa ponte do Galo. Pois bem, tivemos que tomar "alguns" goles de cachaça pra enfrentar a empreitada. Era tanta sujeira, excrementos (merda, mesmo!), madeira, lata enfim, muito lixo, que impedia que as águas do Pirajá corressem livremente. O que era um grande problema quando se juntava maré alta com chuva torrencial. Tínhamos à época em torno de 20 anos. Lembranças da juventude...

É o que vejo a partir da minha casa
Hoje, olho do terraço da minha casa e vejo prédios altíssimos "se aproximando" da área em que moro. Vejo a população de menor poder aquisitivo saindo do local, assim como as casas de madeira sendo substituídas pelas de alvenaria. Uma parte considerável da atual população nem deve saber o que centenas de moradores e de moradoras passaram para garantir que a área fosse urbanizada. Devo confessar, porém, que tenho orgulho do que eu e tantos(as) outros(as) fizemos. Sinto que uma parte de mim está em cada rua, nesse pedaço de chão que, infelizmente, o capital imobiliário que tomar para si. Tudo sob as bençãos de Dudu e sua trupe.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Um tiro, outro tiro e mais uma vida que se foi...

Emerson vestido com a camisa do
"mais querido"
Ele tinha apenas 29 anos. Pai de três filhos do primeiro casamento e mais uma menina do segundo. Na noite do sábado, após deixar dois sobrinhos na casa do irmão, foi covardemente atingido por duas balas na nuca. Segundo dizem, o criminoso ainda efetuou mais dois disparos bem próximo do rosto, mas o revólver travou. Logo após o assassinato fugiu com o comparsa numa bicicleta O nome da vítima: Emerson.  Esposo de uma das minhas sobrinhas.

Local do crime: área próxima ao Canal do São Joaquim, na Sacramenta. A área é considerada "zona vermelha" pela Polícia Militar dada a intensidade de diferentes modalidades de  violência: roubos, assassinatos, furtos, agressões, estupros etc.

A família ainda levou a vítima para o Pronto Socorro Municipal da 14 de Março, mas a mesma já chegou sem vida. E mesmo que estivesse viva fatalmente padeceria numa maca no corredor por causa da superlotação e da greve dos(as) funcionários(as).

Emerson era pai da minha linda sobrinha-neta Isabelle, carinhosamente chamada de "Bebelle". Ela tem apenas três anos. Não verá mais o pai, que era uma figura do bem. Torcedor do Remo, trabalhador, alimentava planos para a casa nova. Era funcionário da CTBEL e à noite fazia "bicos" como mototaxista. O corpo estirado no chão ficou encharcado de sangue.

Bebelle e meu filho Alexandre, o "padinho".
Corpo aliás que só foi entregue à família para o velório na tarde do domingo, aumentando ainda mais o sofrimento de todos(as) que o aguardavam para as últimas homenagens. Durante o período que esperamos pelo corpo fiquei observando tudo o que ocorria à minha volta.

Da casa dos pais do Emerson dá pra ver a caixa d'água do Conjunto Paraíso dos Pássaros, assentamento que recebeu as centenas de famílias remanejadas compulsoriamente pelo Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una. De paraíso, apenas o nome. Ironia tucana para uma situação precária. Entre a casa onde me encontrava e a caixa d'água, muito mato, muito lixo, muito abandono. Por várias vezes vi pessoas levando seu lixo e o jogando na beira do canal. Também vi urubus, gatos, cães e um idoso revirando os restos. Sim, um homem de idade avançada catando sobras.

Também vi muitas crianças. Algumas claramente desnutridas, magras, de baixa estatura, cabelos desgrenhados, brincando na vala com suas "embarcações", ou num velho velocípede "incrementado" que levava sempre um pequeno ser a toda velocidade. Entre as brincadeiras as que envolviam tiros e revólveres faziam parte do "cardápio" da imaginação mirim.

Vi pré-adolescentes sentados embaixo das torres de alta tensão ouvindo o "treme" nos seus celulares, todos requebrando animadamente ao som dos mais novos sucessos do gênero. Um deles me chamou especial atenção porque se parece muito com um jovem que vi crescer, que era amigo dos meus filhos, que me chamava de tio e que sempre demonstrou muito carinho por todos aqui de casa. Agora, está confinado num presídio. Confesso que aquela situação me provocou uma forte dor no peito: de aflição, de tristeza, de revolta, de vergonha pelo que estamos fazendo, por ação ou omissão, às nossas crianças. Lembrei da licitação do governo estadual que pagou cerca de R$ 63,00 por uma xícara de café. Enquanto isso, não há coleta de lixo, não há creches, não há muita esperança ali, às margens do Canal São Joaquim.

Periferia de Belém
Conversei com o filho mais velho do Emerson. Uma figurinha centrada nas ideias, mas completamente desamparada, perdida, naquele momento. Estava perto quando ele falou sobre os tiros que ouviu, do medo que sentiu por lembrar que o pai saíra momentos antes, da queda da cama com o rosto no chão quando alguém bradou: "mataram o teu pai". Também ouvi a filha narrar as condições em que a mãe encontrou o corpo no chão. Foi de cortar o coração.

Quando o corpo finalmente chegou a situação ficou dramática: mãe, avó, irmãs, amigos(as) desmaiaram quase que ao mesmo tempo. Foi um corre-corre. Eu e meu filho carregamos a avó para a casa ao lado. Outros socorreram as demais. Vi a mãe do Emerson abraçar minha sobrinha, lamentando a dor que aquela morte lhe provocava.

Foi um domingo terrível. Nem vou falar sobre o estado do corpo. O que me dói até este momento que escrevo é lembrar que não vamos mais ver o Emerson, que ele não vai mais ao campo com a gente assistir os jogos do Remo, que a filhinha dele dificilmente vai lembrar dos momentos que viveram juntos.

Um tiro, outro tiro e uma vida que se foi... Um número na estatística. Revoltante!

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

E o Big Bang não foi o início?

A teoria do Big Bang
O Lasanha, como vocês todos(as) sabem, é interplanetário. Então, resolvi tratar agora de algo realmente grande. A maioria de nós leu, ouviu ou aprendeu na escola que este universo nasceu a partir de uma grande explosão: o Big Bang. Essa teoria ganhou fôlego com a descoberta do astrônomo estadunidense Edwin Hubble de que o universo encontra-se em plena expansão.

De acordo com a teoria do Big Bang, em algum momento remoto do passado ocorreu um fato extraordinário e dele resultou tudo o que está a nossa volta, inclusive nós mesmos. Portanto, também temos o cosmos dentro de nós compondo a nossa estrutura corporal. Não é fantástico?

Através de intrincados e complexos cálculos matemáticos atingimos a capacidade de saber o que aconteceu a menos de um segundo após a colossal explosão que nos trouxe até aqui. Contudo, ainda não somos capazes de explicar o que provocou a mesma. As controvérsias teóricas são muitas e parecem restritas a um mundo complemente estranho ao da maioria das pessoas.

Segundo Prigogine, dizer que o universo surgiu a partir de uma singularidade provoca diversos problemas, pois “a ciência só pode descrever fenómenos repetíveis. Se se deu um fenómeno único, uma singularidade como o Big Bang, eis que nos encontramos perante um elemento que introduz aspectos quase transcendentais, que escapam à ciência” (PRIGOGINE, Ilya. O Nascimento do Tempo. Tradução de Marcelina Amaral. Edições 70, Lda. Lisboa / Portugal, 2008, p. 57). Como adotar, portanto, uma explicação da origem de tudo fundada num fenômeno singular?

De acordo com Prigogine, o universo é o resultado “de uma instabilidade que sucedeu a uma situação que a precedeu; em síntese, o universo terá resultado de uma mudança de fase em grande escala” (Idem, p. 33). Caso Prigogine e os/as demais cientistas que apoiam esse ponto de vista estiverem corretos(as), havia algo anterior a este universo onde estamos. O que? Aí é que a "porca torce o rabo", pois não há sequer palavras adequadas para explicar esse "antes", apenas para citar uma única dificuldade que surge a partir dessa explicação: “Se o universo tem verdadeiramente uma história e, portanto, um passado e um começo, ele deveria ter surgido do nada. Mas como o ser poderia surgir do nada? Não seria preciso então repensar os conceitos de “ser” e “nada” ao mesmo tempo em que somos levados a repensar os conceitos de espaço e de tempo?” (PIETTRE, Bernard. Filosofia e ciência do tempo/Bernard Piettre; tradução: Maria Antonia Pires de Carvalho Figueiredo. – Bauru, SP: EDUSC, 1997, p. 162). 

Edwin Hubble
Outra questão interessante: se havia algo anterior a este universo, então, podemos imaginar que o Big Bang não se trata verdadeiramente de uma singularidade, mas de um fenômeno que pode ter ocorrido várias e várias vezes. Nesse caso, diferentemente do que imaginou o matemático alemão Rudolf Clausius, o universo não caminha para a sua morte térmica, justamente porque ele não é um sistema fechado. Ou seja, nosso universo seria apenas a "fase" de um processo cósmico que poderíamos dizer infinito. Um  fenômeno repetitivo capaz de ser explicado pela ciência.

Nem vamos falar aqui das teorias que defendem a ideia dos múltiplos universos. Ou seja, que esta nossa casa é apenas uma em meio a tantas outras. Ou ainda, daquelas que afirmam a multiplicidade das dimensões do tempo, dos universos paralelos, "buraco da minhoca" etc. É muita viagem. Porém, convém dizer que são teorias sérias e fundamentadas em muitos cálculos.

Eu, um humilde historiador, devo dizer que me encontro muito mais próximo das ideias de Prigogine do que da tese de que tudo surgiu com o Big Bang. E você?

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Equilíbrio?

É muito comum ouvirmos conselhos acerca da importância de encontrarmos nossos pontos de equilíbrio. Médicos, amigos e familiares sempre nos dizem isso quando passamos por momentos de aflição, doenças ou dificuldades. "Mente sã, corpo são", diz o enunciado bastante conhecido do público. Contudo, você já parou pra pensar no significado do que vem a ser realmente "equilíbrio"?

Ilya Prigogine
Pois bem, um corpo em estado de equilíbrio é um corpo sem vida, pois a morte é, na verdade, o momento em que atingimos plenamente o estado de equilíbrio. A vida existe, em essência, por conta do desequilíbrio. Células morrem e outras nascem todos os dias até o momento em que o número daquelas que perecem é superior ao daquelas que surgem. Órgãos funcionam plenamente porque há desequilíbrio entre eles e não o contrário. Se pensarmos do ponto de vista da física, a entropia máxima - grosso modo, podemos dizer que entropia significa "estado de desordem" de um sistema termodinâmico - é justamente o ponto culminante do equilíbrio, onde a "desordem" já não existe. Por conseguinte, ela representa a impossibilidade do surgimento da novidade.

Segundo o filósofo Bernard Piettre, a "instabilidade e o desequilíbrio são, em compensação, a condição do surgimento de uma ordem” (PIETTRE, Bernard. Filosofia e ciência do tempo/Bernard Piettre; tradução: Maria Antonia Pires de Carvalho Figueiredo. – Bauru, SP: EDUSC, 1997, p. 150-151). Diferentemente do que imagina o senso comum o caos não produz tão somente desordem, mas também um novo tipo de ordem. Exemplo: o nosso universo. Eis o que nos diz o químico Ilya Prigogine:
Um título como As leis do caos pode parecer paradoxal. Existem leis do caos? O caos não é, por definição, “imprevisível”? Veremos que não é assim, mas a noção de caos nos obriga, em vez disso, a reconsiderar a de “lei da natureza”. Na perspectiva clássica, uma lei da natureza estava associada a uma descrição determinista e reversível no tempo, em que o futuro e o passado desempenhavam o mesmo papel. A introdução do caos obriga-nos a generalizar a noção de lei da natureza e nela introduzir os conceitos de probabilidade e de irreversibilidade. (...) mas o que gostaria de ressaltar nesse contexto é o papel fundamental do caos em todos os níveis de descrição da natureza, quer microscópico, quer macroscópico, quer cosmológico (PRIGOGINE, Ilya. As leis do caos. Tradução Roberto Leal Ferreira. – São Paulo: Editora UNESP, 2002.2002, p. 11).
Tendemos a imaginar que a nossa própria evolução enquanto espécie se deu de uma forma tão harmônica, que o que somos hoje parecia estar determinado desde priscas eras. Ledo engano: somos fruto da desordem, do desequilíbrio, de probabilidades que se concretizaram, do acaso. Entretanto, conhecemos muito bem o desenho que mostra a nossa evolução desde um certo tipo de primata até a constituição atual. Não parece algo bem natural?

Evolução da nossa espécie

Resgatar a noção de probabilidade, acaso, desequilíbrio/equilíbrio é importante até mesmo para refletirmos sobre o nosso presente e as perspectivas futuras. Aliás, faz-se necessário incorporar também outra noção: a bifurcação. Na história, são justamente nos momentos de bifurcação que se colocam na mesa as múltiplas possibilidades. A história, afirmou o marxista francês Bensaïd, “já não segue doravante o traçado único que lhe daria sentido. Ele explode em galhos e ramos sempre recomeçados. Cada ponto de bifurcação crítico coloca suas próprias questões e exige suas próprias respostas” (BENSAÏD, Daniel. Marx, o Intempestivo: grandezas e misérias de uma aventura crítica. (séculos XIX e XX)/Daniel Bensaïd; tradução de Luiz Cavalcanti de Menezes Guerra. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1999, p. 60-61). Tal reflexão nos leva a questionar a ideia de que o capitalismo se constitui no estágio supremo da humanidade, ou que não há outra alternativa para o desenvolvimento da Amazônia a não ser entupi-la de hidrelétricas, expandir a monocultura da soja ou do eucalipto, ou ainda que o mercado de carbono (a mercantilização da natureza) seja o caminho para mantermos a floresta em pé. Não! A história é um livro em aberto e ela ainda está sendo escrita.

Então, amigas e amigos admiradores(as) do Lasanha: quando alguém chamar de você de desequilibrado(a), pode não ser de todo ruim. Ao menos mostra que você está vivo(a). Abraços.


sexta-feira, 27 de julho de 2012

Motivos para apoiar Edmilson Rodrigues: Parte I.

Ao longo do tempo o PT buscou tirar algumas lições das suas diversas experiências administrativas espalhadas pelo país. Tal conhecimento ficou conhecido como o Modo Petista de Governar. Os dois eixos indicados como os principais diferenciadores das administrações petistas em relação às demais eram a participação popular e a inversão de prioridades.

Modo Petista de Governar
A participação popular se mostrou importante para a democratização do Estado e o controle social não somente sobre as políticas governamentais, mas também no que diz respeito à atuação da iniciativa privada e seus efeitos sobre a sociedade. O PT incentivou a constituição de conselhos a fim de favorecer a gestão compartilhada, bem como de instrumentos democráticos como o Orçamento Participativo. Além disso, o PT estimulou a mobilização social e a democratização da informação.

A inversão de prioridades representou um novo olhar sobre o público e o bem público. Parcelas da população historicamente excluídas do acesso a equipamentos públicos e das políticas governamentais passaram ao centro das preocupações das gestões petistas. O OP foi, sem dúvida alguma, uma importante ferramenta de distribuição mais equitativa dos recursos orçamentários que, aliado a diferentes programas e projetos de inclusão social, possibilitou a melhoria das condições de vida de grandes contingentes populacionais.
Participação Popular


Entretanto, com o passar do tempo, esses dois eixos já não eram suficientes para distinguir as administrações petistas de outras de caráter liberal ou mesmo conservador. Isto porque a direita percebeu que esse Modo Petista de Governar não somente melhorava a vida da população, como também tornava o partido uma grande "máquina eleitoral" ao desmontar seus redutos históricos e escantear suas lideranças da vida pública. Esse fato foi particularmente notável no Nordeste brasileiro, mas também na Amazônia. O que fez a direita? Também passou, a seu modo, a executar ações de "inversão de prioridades" calcadas, evidentemente, no assistencialismo, e de "participação da sociedade", ainda que fortemente controlada. Essa situação exigiu do PT um passo ainda mais ousado. Daí surgiu o terceiro eixo: a disputa pela hegemonia. Ou seja, não bastava distribuir melhor os recursos e/ou chamar a população para o debate político. Era necessário ainda constituir uma força contra-hegemônica visando mudanças estruturais na sociedade a longo prazo, e em grande parte isso deveria passar necessariamente pelo aprofundamento da democracia:
De modo geral, podemos dizer que o processo de democratização expresso na "ampliação" da esfera pública gerou, ao mesmo tempo, um problema a ser resolvido e os meios de sua solução. O problema consiste em superar a contradição existente entre, por um lado, a socialização da participação política e, por outro, a apropriação não social dos mecanismos de governo da sociedade. Nessa medida, a plena realização socialista do homem não requer apenas a supressão da apropriação privada dos meios de produção, que são frutos do trabalho coletivo: requer também a eliminação da apropriação não social (privatista) das alavancas de poder, ou seja, a realização do que Marx chamou de "autogoverno dos produtores associados". Superar a alienação econômica é condição necessária, mas não suficiente, para a realização integral das potencialidades abertas pela crescente socialização do homem; essa realização implica também o fim da alienação política, o que, no limite, torna-se realidade mediante a reabsorção dos aparelhos estatais pela sociedade que os produziu e da qual eles se alienaram (é esse, de resto, o sentido da tese marxiana do "fim do Estado"). COUTINHO, Carlos Nelson. Contra a Corrente: Ensaios sobre democracia e socialismo. - São Paulo : Cortez, 2000, p. 29 (grifo nosso).

Edmilson Rodrigues
Creio que a experiência que vivenciamos em Belém com o Congresso da Cidade se alimentou fortemente desse desejo de realizar a disputa pela hegemonia com os segmentos conservadores da sociedade. O Congresso, apesar de alguns bons estudos desenvolvidos por pesquisadores(as) da UFPA, ainda não foi suficientemente analisado e, portanto, tiradas as lições devidas. Da minha parte, considero aquela experiência ainda mais avançada do que o OP de Porto Alegre, pois conseguiu efetivamente atrair múltiplos olhares e vivências para a construção de uma nova cidade: homossexuais, idosos(as), jovens, negros(as), portadores(as) de necessidades especiais, moradores(as) da periferia, servidores(as) públicos(as), afrodescendentes, ONGs, movimentos sociais, enfim, uma gama enorme de atores sociais envolveram-se de corpo e alma nas reflexões e nas decisões de interesse público. Tudo passou a ser do nosso interesse. Lembro das mobilizações que realizamos contrárias ao desmonte do porto de Belém, que o governo do PSDB queria impor. Também me vem à lembrança as ações de denúncia e de combate à manipulação dos índices que serviam para o cálculo do repasse dos recursos oriundos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Servições (ICMS); manobra dos tucanos para asfixiar o governo do Edmilson Rodrigues.

Combatendo a exclusão e a desigualdade sociais
Com o Congresso da Cidade passamos a ter uma visão mais abrangente e mesmo mais generosa sobre Belém e seu futuro. Logicamente que uma quantidade enorme de pessoas contribuíram para a realização dessa fabulosa experiência. Algumas bastante conhecidas, a maioria anônima. Todavia, não há como negar o papel decisivo desempenhado pelo então prefeito Edmilson Rodrigues. Ele não somente estimulou como foi o mais enfático defensor da iniciativa. E isto não é pouco, pois não são muitas as pessoas que decidem partilhar o poder com outros.

Por outro lado, Edmilson Rodrigues sempre teve muito claro os limites impostos pela institucionalidade burguesa. Daí a sua contínua vontade de romper com essas amarras, a fim de garantir a efetiva participação da sociedade. É alguém que mesmo tendo plena consciência das suas atribuições legais teima em não sujeitar-se a elas, como um fantoche. É alguém que ainda sonha, luta e vive por uma outra sociedade, que não se rendeu ao desenvolvimentismo econômico como a única utopia.

sábado, 21 de julho de 2012

Incompetência, lixo e desleixo.

Participei hoje pela manhã de uma caminhada com alunas do curso de Pedagogia da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Essas estudantes já encontram-se dando aulas para alunos(as) da primeira a quarta séries, incluindo Geografia e História. Foi um "tour" pela Estação das Docas, Ver o Peso e Feliz Lusitânia. O evento objetivou mostrar a essas alunas as mudanças ocorridas na cidade desde a sua fundação, abordar fatos históricos marcantes ocorridos naque área, as alterações nas funções dos prédios e outros espaços ao logo do tempo e sobre as formas de abordar a geografia com alunos(as) das séries iniciais. A ideia da caminhada foi da Regina Ferreira que está ministrando a disciplina Geografia da Amazônia naquela universidade.


Nosso maravilhoso Ver-o-Peso
Fui convidado para participar da atividade por ser historiador. Uma das coisas que sempre chamou minha atenção diz respeito ao desconhecimento da nossa história por grande parte de nós belenenses. Dos conflitos envolvendo cabanos e forças legalistas que resultou na morte de Antonio Vinagre, ocorrida na esquina das atuais Frutuoso Guimarães com a João Alfredo. Das tentativas de Diogo Antonio Feijó de convencer os ingleses a invadir a Amazônia para destruir a revolta popular cabana. Das estruturas de metal oriundas da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos no Mercado do Ver-o-Peso e nos galpões da Estação das Docas. As pressões de moradores locais sobre famílias de imigrantes japoneses e alemães durante a Segunda Guerra Mundial - não esqueço de uma foto sensacional retratando isso e que foi publicada pelo jornal Folha do Norte. Bem, os exemplos são abundantes.

Revolucionários(as) Cabanos(as)
Recordo que somente fui estudar a Cabanagem quando entrei na UFPA, pois a ditadura militar simplesmente baniu o movimento cabano dos currículos escolares. Daí a importância do resgate dessa história com a Aldeia Cabana e outras iniciativas. Todavia, as forças conservadoras buscam ainda hoje manter sepultada a Cabanagem. Tanto é que a atual administração municipal se refere ao equipamento público da Av. Pedro Miranda como Aldeia Amazônica em vez de Aldeia Cabana.

Sempre fico empolgado quando foco a nossa história. Não obstante, esse post foi escrito para expressar a minha revolta com o estado atual do Complexo Ver-o-Peso, em particular da Feira do Açaí. Senti tanta saudade de como era aquela feira durante o governo do Edmilson Rodrigues, então no PT. Além de local de trabalho de centenas de pessoas envolvidas direta ou indiretamente com a produção e a comercialização do açaí, era também ponto de encontros, de boas conversas, de comidas típicas, de shows, de ouvir música regional, de estar perto de artistas da nossa terra. O que vi durante a caminhada? Lixo, muito lixo em dezenas de sacos amontoados ou simplesmente espalhado pelo chão. A Ladeira do Castelo está destruída, com o calçamento todo arrebentado. Os prédios históricos deteriorados. Enfim, senti profunda vergonha daquilo ali. Como levar amigos que vêm nos visitar para um local daquele, sem estrutura, policiamento precário, sem higiene? Como passear com a família num ambiente nessa situação?

O abandono criminoso do Ver-o-Peso
Sob todos os aspectos a Feira do Açaí e adjacências encontram-se em estado lastimável: segurança, higiene, sanitário, comodidade, atendimento etc. É culpa de quem? De quem continua trabalhando dia e noite naquele local para sobreviver, ou de quem abandonou completamente esse ponto importante da cidade? Aquela área do Ver-o-Peso é, como outras na cidade, importante na formação da nossa própria identidade cultural. Infelizmente temos um "doutor" em "traquinagens" na prefeitura, cuja maior preocupação é gerir seus bens materiais, que cresceram como nunca nesses oitos anos de governo, além da continuidade da sua carreira política.

O Complexo Ver-o-Peso está uma vergonha! Seu abandono expressa a canalhice do bloco de poder que se assenhorou desse ente do Estado que é a prefeitura. Duciomar e sua corja querem mais que aquilo tudo se exploda a fim de que, quem sabe um dia, entupir a área de prédios com quarenta andares. Para eles pouco importa história, cultura e identidade, mas tão somente o tilintar das trinta moedas...
Estudantes de Pedagogia da UEPA
e sua professora Regina Ferreira.