terça-feira, 7 de agosto de 2012

Um tiro, outro tiro e mais uma vida que se foi...

Emerson vestido com a camisa do
"mais querido"
Ele tinha apenas 29 anos. Pai de três filhos do primeiro casamento e mais uma menina do segundo. Na noite do sábado, após deixar dois sobrinhos na casa do irmão, foi covardemente atingido por duas balas na nuca. Segundo dizem, o criminoso ainda efetuou mais dois disparos bem próximo do rosto, mas o revólver travou. Logo após o assassinato fugiu com o comparsa numa bicicleta O nome da vítima: Emerson.  Esposo de uma das minhas sobrinhas.

Local do crime: área próxima ao Canal do São Joaquim, na Sacramenta. A área é considerada "zona vermelha" pela Polícia Militar dada a intensidade de diferentes modalidades de  violência: roubos, assassinatos, furtos, agressões, estupros etc.

A família ainda levou a vítima para o Pronto Socorro Municipal da 14 de Março, mas a mesma já chegou sem vida. E mesmo que estivesse viva fatalmente padeceria numa maca no corredor por causa da superlotação e da greve dos(as) funcionários(as).

Emerson era pai da minha linda sobrinha-neta Isabelle, carinhosamente chamada de "Bebelle". Ela tem apenas três anos. Não verá mais o pai, que era uma figura do bem. Torcedor do Remo, trabalhador, alimentava planos para a casa nova. Era funcionário da CTBEL e à noite fazia "bicos" como mototaxista. O corpo estirado no chão ficou encharcado de sangue.

Bebelle e meu filho Alexandre, o "padinho".
Corpo aliás que só foi entregue à família para o velório na tarde do domingo, aumentando ainda mais o sofrimento de todos(as) que o aguardavam para as últimas homenagens. Durante o período que esperamos pelo corpo fiquei observando tudo o que ocorria à minha volta.

Da casa dos pais do Emerson dá pra ver a caixa d'água do Conjunto Paraíso dos Pássaros, assentamento que recebeu as centenas de famílias remanejadas compulsoriamente pelo Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una. De paraíso, apenas o nome. Ironia tucana para uma situação precária. Entre a casa onde me encontrava e a caixa d'água, muito mato, muito lixo, muito abandono. Por várias vezes vi pessoas levando seu lixo e o jogando na beira do canal. Também vi urubus, gatos, cães e um idoso revirando os restos. Sim, um homem de idade avançada catando sobras.

Também vi muitas crianças. Algumas claramente desnutridas, magras, de baixa estatura, cabelos desgrenhados, brincando na vala com suas "embarcações", ou num velho velocípede "incrementado" que levava sempre um pequeno ser a toda velocidade. Entre as brincadeiras as que envolviam tiros e revólveres faziam parte do "cardápio" da imaginação mirim.

Vi pré-adolescentes sentados embaixo das torres de alta tensão ouvindo o "treme" nos seus celulares, todos requebrando animadamente ao som dos mais novos sucessos do gênero. Um deles me chamou especial atenção porque se parece muito com um jovem que vi crescer, que era amigo dos meus filhos, que me chamava de tio e que sempre demonstrou muito carinho por todos aqui de casa. Agora, está confinado num presídio. Confesso que aquela situação me provocou uma forte dor no peito: de aflição, de tristeza, de revolta, de vergonha pelo que estamos fazendo, por ação ou omissão, às nossas crianças. Lembrei da licitação do governo estadual que pagou cerca de R$ 63,00 por uma xícara de café. Enquanto isso, não há coleta de lixo, não há creches, não há muita esperança ali, às margens do Canal São Joaquim.

Periferia de Belém
Conversei com o filho mais velho do Emerson. Uma figurinha centrada nas ideias, mas completamente desamparada, perdida, naquele momento. Estava perto quando ele falou sobre os tiros que ouviu, do medo que sentiu por lembrar que o pai saíra momentos antes, da queda da cama com o rosto no chão quando alguém bradou: "mataram o teu pai". Também ouvi a filha narrar as condições em que a mãe encontrou o corpo no chão. Foi de cortar o coração.

Quando o corpo finalmente chegou a situação ficou dramática: mãe, avó, irmãs, amigos(as) desmaiaram quase que ao mesmo tempo. Foi um corre-corre. Eu e meu filho carregamos a avó para a casa ao lado. Outros socorreram as demais. Vi a mãe do Emerson abraçar minha sobrinha, lamentando a dor que aquela morte lhe provocava.

Foi um domingo terrível. Nem vou falar sobre o estado do corpo. O que me dói até este momento que escrevo é lembrar que não vamos mais ver o Emerson, que ele não vai mais ao campo com a gente assistir os jogos do Remo, que a filhinha dele dificilmente vai lembrar dos momentos que viveram juntos.

Um tiro, outro tiro e uma vida que se foi... Um número na estatística. Revoltante!

4 comentários:

  1. Um post que faz jus a boa pessoa que era o Emerson, ao que aconteceu no final de semana e a situação que vimos naquele local. Muito trite. Revoltante. Vá em paz, Emerson! Te prometo cuidar da Isabelle como se fosse minha filha. Vá em paz, cumpadre!

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  2. É... Um número na estatística....
    Estou trabalhando com casos assim todos os dias, mas quando ocorre com um dos nossos não da nem para acreditar. Lamentamos pelo ocorrido, mas principalmente pela criança inocente e indefesa que terá que enfrentar o mundo sem a figura do pai.
    Vá em Paz Emerson!!!!!

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