sexta-feira, 7 de junho de 2013

Santo Agostinho e o tempo.

Santo Agostinho de Hipona
(354-430)
O que é o tempo? Santo Agostinho se colocou tal indagação há muitos séculos atrás, mas demonstrou dificuldade em dizer o que o tempo é: (...) E no entanto, haverá noção mais familiar e mais conhecida usada em nossas conversações? Quando falamos dele, certamente compreendemos o que dizemos; o mesmo acontece quando ouvimos alguém falar do tempo. Que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; mas se quiser explicar a quem indaga, já não sei. (...)(Santo Agostinho. Confissões. Tradução: Alex Marins – São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 268). Não há como negar que quando alguém fala do tempo para nós parece não haver qualquer dúvida quanto ao seu significado, mas você seria capaz de afirmar o que é o tempo? Conceituar o tempo talvez seja um dos maiores problemas que se colocam ao conhecimento humano desde priscas eras. Portanto, não fique "bolado" por isso.

Para Santo Agostinho, Deus é o criador de tudo o que há no universo, inclusive o tempo. Ou seja, a existência de Deus não se dá no tempo, porque este é fruto da criação divina. Daí ser um absurdo, de acordo com aquele doutor da Igreja Católica, alguém perguntar o que fazia Deus antes de criar o universo, simplesmente porque não haveria o antes. Então, não havia sentido tratar de algo inexistente antes de Deus tê-lo criado:

Se algum espírito leviano, vagando por tempos imaginários anteriores à criação, se admirar que o Deus Todo-Poderoso, tu, que criaste e conservas todas as coisas, ó autor do céu e da terra, tenha-te mantido inativo até o dia da criação, por séculos sem conta, que esse desperte e tome consciência do erro que gera sua admiração. Como, pois, poderiam transcorrer os séculos se tu, criador, ainda não os tinha criado? E poderia o tempo fluir se não existisse? E como poderiam os séculos passar, se jamais houvessem existido? Portanto, como és o criador e todos os tempos, – se é que houve algum tempo antes da criação do céu e da terra – como se pode afirmar que ficaste ocioso? Pois também criaste esse mesmo tempo, e este não poderia passar antes que o criasse.
(...) Se porém antes do céu e da terra não havia tempo algum, porque perguntam o que fazias então? Não poderia haver então se não existia o tempo (p. 266-267).

 Se tomarmos como base as afirmações de Santo Agostinho chegamos à conclusão de que o tempo não é eterno, no sentido filosófico da sempiternidade, já que o tempo teria uma datação por ter nascido em determinado momento. Nesse caso, somente Deus seria sempiterno, enquanto o tempo não:
Entendemos confusamente por eternidade duas coisas, que convém distinguir. A eternidade pode significar, como em Santo Agostinho, e antes dele em Parmênides, Platão e Plotino, o Ser presente que não tem passado nem futuro. Ver as coisas sob o prisma da eternidade, como preconiza Espinosa, é considerá-las presentes à razão, em sua totalidade. Mas o senso comum entende por eternidade o que chamamos, na tradição filosófica, de sempiternidade (sempiternitas), quer dizer, uma duração que não se esgota jamais, com um futuro que nunca pára de advir ou de chegar, e um passado que cresce incessantemente: um tempo que nunca acaba de passar, tal qual um disco que não pára de girar... “sempiternamente”. É assim que o crente comum imagina a vida eterna no paraíso: um tempo sem fim que adentra pelos séculos dos séculos, ao passo que, de um ponto de vista teológico, a felicidade eterna do paraíso consiste em ser plenamente sem a expectativa de um futuro que ainda não teria chegado, sem os lamentos de um passado que já teria transcorrido, mas na contemplação da glória eternamente presente do Ser divino.
Ora, o mundo não é eterno no sentido de sempiterno: o mundo não existiu sempre, seu passado não é infinito; os terráqueos que somos atribuímos-lhe uma existência de uns 15 bilhões de anos aproximadamente... A menos que um período de contração, ou outro fator desconhecido, tenha precedido este período de expansão, e que o Big Bang tenha-se seguido à desagregação (big crunch) de um universo precedente; neste caso não haveria eternidade, mas na verdade sempiternidade do mundo.
Se existe eternidade do mundo, esta não se refere à sua existência material mutável, mas às suas leis, à sua ordem. (PIETTRE, Bernard. Filosofia e ciência do tempo/Bernard Piettre; tradução: Maria Antonia Pires de Carvalho Figueiredo. – Bauru, SP: EDUSC, 1997p. 198-200).
Ocorre, porém, que para Santo Agostinho há somente o presente. Nem passado e nem futuro existem realmente. O primeiro porque já passou. O segundo porque ainda não chegou. Nesse caso, o passado só se apresenta para nós enquanto memória; e o futuro enquanto esperança. Já o presente seria a percepção direta que temos dele. Por conseguinte, os três tempos existentes para Santo Agostinho são: o presente do passado, o presente do presente e o presente do futuro. Essa perspectiva influenciou pensadores de diversas matizes teóricas, inclusive alguns marxistas.

Entretanto, há quem afirme que o tempo agostiniano é o tempo da alma e não o tempo do mundo. Contudo, isso é uma história...

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