A Arca de Noé |
Três situações. A primeira: Há alguns dias atrás um grupo de participantes da Convenção Americana de Paleontologia resolveu visitar o Museu da Criação, localizado no norte do estado de Kentucky. O tal museu foi edificado por membros de várias denominações religiosas que contestam a Teoria da Evolução das Espécies, elaborada por Charles Darwin. Segundo os organizadores do museu, a Terra, o universo, os dinossauros, o homo sapiens e tudo mais têm apenas 6.000 anos de idade. Ou seja, Deus teria criado a um só tempo tudo o que há ou existiu no nosso planeta. Para os criacionistas os dinossauros morreram por causa do dilúvio em 2.348 a.C., mas cerca de 50 espécies foram salvas por Noé em sua arca. Todavia, como explicar a diversidade de plantas e animais existentes em nosso planeta em tão pouco tempo? A resposta dada é que "Deus forneceu aos organismos ferramentas especiais para mudar rapidamente". Simples assim!
Martinho Lutero |
A segunda: Em 1539, Martinho Lutero (1483-1546) se mostrava inconformado com a teoria apresentada pelo cônego polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), que situava o Sol no centro do sistema planetário e não mais a Terra. Até o Renascimento o pensamento hegemônico era que o nosso planeta ocupava o centro do universo. Tal ideia de Copérnico, segundo Lutero e a própria Igreja Católica, ia de encontro ao que estava na Bíblia, pois de acordo com a leitura literal que faziam das sagradas escrituras, Deus colocou a humanidade no epicentro do universo por ser sua imagem e semelhança. Lutero bradou contra Copérnico: "Este louco quer inverter todas a ciência da astronomia; mas as sagradas escrituras nos dizem (Josué 10,13) que Josué ordenou que o Sol parasse, não a Terra".
A terceira: Galileu Galilei (1564-1642), matemático, físico e astrônomo italiano, sofreu perseguição por parte da Igreja Católica que não aceitava suas conclusões posto que colocavam em xeque, entre outras coisas, a teoria que supunha Terra no centro do universo. Através de um livro lançado em 1610 intitulado O Mensageiro das Estrelas (Sidereus Nuncius) apresentou várias de suas descobertas: os satélites de Júpiter, as montanhas e as crateras da Lua e outras mais. Por conta do questionamento que fazia à teoria geocêntrica, formulada por Claudius Ptolomeu (85-165) e que respondia aos interesses e expectativas da Igreja Católica e de outras denominações cristãs, foi duramente perseguido pela Inquisição e somente não foi queimado na fogueira porque renunciou (oficialmente) às suas ideias.
Galileu Galilei |
Nos três casos citados percebe-se o conflito latente entre religião e ciência. Se, de um lado, os criacionistas nos remetem ao obscurantismo por conta da negação das conquistas científicas proporcionadas pela Teoria da Evolução das Espécies para a melhor compreensão do mundo em que vivemos; de outro, a ciência, não possui em si mesma a verdade. Aliás, a última edição da Revista Ciência Hoje, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), traz uma interessante matéria intitulada Confiabilidade em crise: até onde podemos acreditar na literatura científica? A reflexão que a matéria suscita diz respeito a aparente objetividade da literatura científica da área biomédica e a ocultação dos conflitos de interesse, erros de pesquisas, o papel dos financiadores, assim como propugna maior transparência na apresentação e debate dos resultados das pesquisas.
É preciso sempre ressaltar: a ciência não trabalha a partir de dogmas e é ciência justamente porque pode ser questionada. Esses são alguns dos aspectos cruciais que a diferencia da religião. Atualmente existem muitos pontos de atritos entre ciência e religião como os casos referentes ao aborto e aos estudos com células-tronco. Como enfrentá-los de maneira a atender essencialmente os interesses da sociedade e não somente de pequenos grupos - sejam eles econômicos, políticos ou religiosos - é, talvez, o grande desafio que se impõe a todos(as) nós. Contudo, o posicionamento de setores como os dos organizadores do Museu da Criação pouco ou nada ajudam ao bom diálogo.