sexta-feira, 20 de abril de 2012

Aos amigos que partem cedo.

As pessoas boas deveriam ser obrigadas a ficar conosco mais tempo, a fim de nos ajudar a sermos melhores. A pressa com que elas passam por este plano nos deixa a dúvida se isso é um sinal positivo de que caminhamos para algo mais saudável ou, pelo contrário, significa que as coisas tendem a ficar piores.

Não tenho certeza, mas parece que no livro dos Macabeus, Antigo Testamento, há uma questão sobre a morte de jovens. É que eram considerados virtuosas as pessoas que morriam bem velhinhas. Seriam as agraciadas de Deus. Ocorre, porém, que muitos jovens morriam nas guerras e isso acabou provocando uma celeuma: estes não eram amados por Deus?

Não seria legal se num mundo tão conturbado como o nosso as pessoas de bom coração ficassem aqui por mais tempo para nos ajudar a melhorá-lo? Alguns podem dizer: mas Deus estava precisando delas. E nós, não estamos precisando muito mais? Não, não estou afirmando que Deus é injusto. Contudo, o mundo fica mais injusto sem essas pessoas.

Estou escrevendo isso por causa da morte do amigo Valmir Bispo. Estudamos juntos no curso de História da UFPA lá pelos idos da década de 1980. Militamos juntos no PT por muitos anos, sempre em agrupamentos políticos diferentes. Ao pensar nele constatei que nunca, em tempo algum, presenciei algum gesto da sua parte que eu poderia classificar como autoritário ou desrespeitoso. Pelo contrário, sempre foi um doce de pessoa, um sujeito tolerante.

Valmir sempre defendia seus pontos de vista firmemente, mas jamais com agressão. Em vários momentos estivemos em campos opostos dentro do PT. Todavia, as lembranças que guardo dele são as melhores possíveis.
No último dia 29 de março nos encontramos pela última vez. Foi quando integrei uma mesa de debates durante o Encontro Pan-Amazônico de História Oral. Lá estava ele sentado na última fileira da sala. Terminada a atividade nos encontramos lá fora. Nos abraçamos. Ele perguntou se eu tinha o email dele e eu respondi que sim. Disse ele: "vamos nos encontrar qualquer dia desses pra batermos um papo". Concordei e nos demos mais um abraço. Foi a última vez que nos vimos.

A marca dele era ter um grande sorriso na face. Aliás, parecia estar sempre sorrindo, feliz com a vida: seja dançando no Arraial do Pavulagem, seja trabalhando pelo fortalecimento das manifestações culturais no nosso estado.

Anos atrás foi o Manoel Amaral que partiu. Este era mais duro na defesa dos seus pontos de vista. Não aliviava durante o debate, mas tinha um coração tão grande quanto ele. A convivência no PT se transformou numa grande amizade. De vez em quando visitava a casa dele. Ficava me perturbando pra que eu participasse dos jogos de futebol de salão que ele e outros promoviam toda semana. E mesmo quando ele se filiou ao PSOL jamais deixamos de nos falar, ou de debatermos sobre a política local e os rumos da esquerda.
Também nunca integramos o mesmo grupo político, mas isso jamais foi obstáculo entre nós. Trocávamos ideias, divergíamos e, ao final, tudo se resolvia com boas gargalhadas. O maior defeito dele era ser um fanático torcedor do Payssandu. Mesmo isso se transformou em mais um motivo de fortalecimento dos nossos laços de amizade.

Ao lembrar do Valmir e do Manoel me dou conta de que é plenamente possível a convivência com quem pensa diferente da gente. Também ficou mais evidente que a militância não retira a ternura das pessoas, não as torna insensíveis. Se havia uma coisa em comum entre os dois era a paixão pela vida, o carinho com a família e com os amigos.

Tudo isso também serve para o Carlinhos Galiza que morreu semana passada por causa de um acidente doméstico. Ele que ajudou a formar toda uma geração de militantes através do trabalho pastoral da Paróquia de São Sebastião, na Sacramenta, em plena ditadura militar. Com o apoio resoluto dos padres João Beuckenboon e Tiago Widen, diga-se.

Por que os bons partem cedo? Querem nos colocar à prova? Quais seriam os motivos? O mundo empobrece com a partida deles. A vida de quem conviveu com eles fica mais triste e não há como disfarçar completamente um certo sentimento de revolta que nos corrói por dentro.

Concluo com um singelo poema que escrevi tempos atrás:


PERDAS E GANHOS

O medo da perda
É algo que nos consome
Dilacera nossa alma
Paralisa nossas forças
Abismo é seu nome

O medo da perda
Torna a vida mais dura
Ossifica o pensamento
Envelhece a juventude
Aprisiona a aventura

O medo da perda
Confunde os nossos sentimentos
Nos faz dominar o outro
Limita os nossos passos
Rouba nossos melhores momentos

Porém, a perda é prima-irmã da vida
Faz parte do nosso ser
É a dor que nos ensina
É o fato que nos lembra
Que pra germinar é preciso morrer

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